Reconstrução da IV Internacional: A política para a Venezuela é um divisor de águas
A construção da IV Internacional sempre esteve atravessada por polêmicas sobre o caráter das direções dos processos revolucionários. Nascida numa situação de isolamento e reduzida a uma pequena expressão política, as pressões das direções oportunistas e burocráticas sempre foram um fator de crise para a IV, à medida que as organizações que se reivindicavam revolucionárias

A construção da IV Internacional sempre esteve atravessada por polêmicas sobre o caráter das direções dos processos revolucionários. Nascida numa situação de isolamento e reduzida a uma pequena expressão política, as pressões das direções oportunistas e burocráticas sempre foram um fator de crise para a IV, à medida que as organizações que se reivindicavam revolucionárias tinham que enfrentar adversários com influência de massas. A tentação era deixar de lado a construção dos partidos revolucionários, trotskistas, para se adaptar aos aparatos burocráticos.
Por: José Welmowicki
Assim foi em 1951-53, quando a IV dividiu-se em torno de qual política adotar em relação aos partidos comunistas, fortalecidos na época por dirigirem o ascenso que derrotou o nazi-facismo e aparecerem perante as massas encabeçando as revoluções que expropriaram a burguesia em um terço da humanidade. O mesmo se deu em relação aos movimentos nacionalistas burgueses que encabeçavam processos de independência nacional ou lutas contra ditaduras em seus países.
Em 1952, a direção da IV, encabeçada por Michel Pablo, apoiou criticamente o governo burguês do MNR de Paz Estenssoro, na Bolívia, levando à derrota da revolução e contribuindo para a crise e dispersão da IV. O mesmo se daria em 1979 na revolução nicaraguense, pois a direção do SU (Secretariado Unificado) – Mandel, Maitán, Barnes – apoiou o governo de unidade nacional encabeçado pelos sandinistas, considerando-o um “governo operário e camponês”, e propôs acompanhar a direção da FSLN no “caminho ao socialismo”.
Sempre houve uma resistência encarniçada contra essas políticas. Tanto em 1952 quanto em 1979, uma corrente principista resistiu a este curso revisionista e reivindicou a razão de ser da IV Internacional: fazer a revolução mundial e, para isso, superar a crise de direção revolucionária, combatendo as direções burocráticas e burguesas, construindo como alternativa os partidos revolucionários nacionais. Nahuel Moreno foi um dos dirigentes que mais se destacou neste combate e seu legado mais importante foi a construção de uma corrente principista que hoje se materializa na construção da LIT-QI.
Passados quase 70 anos da fundação da IV, num momento em que o colapso do stalinismo fez cair a principal barreira que separava os revolucionários das massas, novamente é colocada uma discussão desse tipo para os que se reivindicam da esquerda operária e do programa da IV. Trata-se da posição frente ao processo revolucionário venezuelano e a Hugo Chávez. Quem confundir a intervenção neste processo com o apoio à sua direção no país, ou no conjunto da América Latina, estará preparando a derrota das massas. Para que os novos ventos da revolução latino-americana não se percam e sejam desviados para o caminho sem retorno do apoio ao populismo burguês; para que, ao contrário, a reconstrução da IV Internacional dê um salto, faz-se necessário enfrentar esta disjuntiva. A posição em relação ao chavismo é hoje o principal debate, de princípios, dentro da esquerda latino-americana e mundial.
Este artigo aborda as polêmicas sobre o processo venezuelano deste ângulo. A posição que cai na capitulação ao chavismo e abandona o combate pela construção de uma direção revolucionária é muito ampla, atinge quase a totalidade da esquerda, incluindo aqueles que se reivindicam revolucionários e/ou de origem trotskista, como o SU, o Militant, etc. Poderíamos tomar as posições de uma ou várias dessas correntes do campo de apoio ao chavismo. No entanto, vamos escolher uma delas. Não por seu peso específico (existe em poucos países da América Latina), mas porque sintetiza de forma clara os grandes erros daqueles que se colocam no “campo de Chávez”. Esta corrente tenta, ademais, lamentavelmente, apresentar-se como continuadora de Moreno, aproveitando-se do fato de que alguns de seus dirigentes tiveram uma trajetória na LIT.
A distorção das elaborações de Nahuel Moreno
Em junho passado, o congresso do PSOL brasileiro, com vários dirigentes e correntes internas de origem trotskista, prestou uma homenagem a Chávez. Os sindicalistas venezuelanos presentes, que recentemente viveram a repressão governamental a algumas lutas operárias e haviam se recusado a ingressar no PSUV, o partido de Chávez, não puderam falar no Congresso. Mas os delegados viram vídeos elogiando Chávez e Castro e escutaram seus principais dirigentes defenderem com tudo o governo da Venezuela. E tinha que ser assim, porque a tese política votada majoritariamente definiu-se claramente pelo apoio a Chávez:
“As novas nacionalizações anunciadas por Chávez e suas novas reformas democráticas mostram que o processo bolivariano, inclusive com suas contradições, aprofunda-se. Trata-se da expressão política de um nacionalismo revolucionário que enfrentou a burguesia pró-imperialista em seu país, ao mesmo tempo em que tenta desmantelar os instrumentos de dominação política a serviço do grande capital e do imperialismo. (…) Mantendo nossa independência do chavismo, cremos que todos no PSOL devem dizer com clareza: apoiaremos as medidas progressistas na Venezuela, no Equador e na Bolívia (defendendo, ao mesmo tempo, a autonomia e a independência das organizações dos trabalhadores) que façam avançar o processo de enfrentamento com o imperialismo, fazendo unidade e frente comum em torno a elas (Tese do MES-MTL, negritos no original).
Pedro Fuentes, dirigente do MES, uma das correntes de maior peso no bloco majoritário na condução do Congresso, foi membro da direção de organizações morenistas argentinas (PST, MAS) e pertenceu à LIT até 1992, tendo sido membro de sua direção. Seu artigo Venezuela, ponto mais avançado de uma confrontação continental é uma sistematização das posições do MES-MTL, por isso vamos nos referir centralmente a este texto. Nele, Pedro desenvolve uma elaboração que, como Pablo em 1952 na Bolívia, leva-o a apoiar Chávez e suas “medidas progressistas” e a criação de partidos burgueses como o PSUV, recriminando os que não fazem isso… em nome do trotskismo e de Nahuel Moreno.
Fuentes começa seu artigo afirmando: “Esta situação nos exige estudar os fenômenos novos que ocorrem com a mesma paixão e método que Nahuel Moreno“, e assim transmite aos leitores desprevenidos a impressão de que tudo que será dito inspira-se nas elaborações da corrente morenista.
Fuentes extrai algumas passagens de um texto de Moreno de 1962 (A revolução latino-americana) que alertava sobre um novo movimento originado de uma ruptura dos velhos movimentos nacionalistas, sob o impacto da revolução cubana, e da necessidade de intervir sobre ele. O próprio Moreno afirmou em vários textos, entre eles sua entrevista no livro Conversando com Moreno, que após haver olhado com simpatia o regime cubano chegou à “conclusão de que é necessário continuar com a política revolucionária de classe, mesmo que para nós isso signifique adiar a chegada ao poder em 20 ou 30 anos, ou o que seja. Nós aspiramos a que a classe operária seja a que verdadeiramente chegue ao poder, por isso queremos dirigi-la“. E nesse e em outros textos explica que suas expectativas daqueles anos na direção castrista foram abandonadas ante a política contrarrevolucionária do castrismo para a revolução centro-americana, entre outras traições; corrigindo depois radicalmente sua caracterização dessa corrente – como uma burocracia originada de uma corrente pequeno-burguesa – e assim também o fez em sua política para o castrismo.
A má-fé de Fuentes consiste em que ele não toma nenhum texto posterior, especialmente aqueles programáticos mais elaborados, e só cita umas poucas frases de um material superado pelas elaborações do próprio Moreno. Embora ele conheça-os muito bem, esconde várias discussões que Moreno fez ao longo de 25 anos nas quais, além de mudar sua posição sobre o castrismo, armou teórica e programaticamente contra capitulações como as que Fuentes faz hoje.
Fuentes “embeleza” Chávez
Deixemos de lado a polêmica sobre se a Venezuela é um “país independente” ou não, abordada por Alejandro Iturbe neste número de Marxismo Vivo. Mas queremos assinalar que Fuentes atribui todo o suposto processo de independência à vontade de Chávez de romper com o imperialismo:
“É evidente que a Venezuela acabou com os dispositivos de dominação política do imperialismo. Por exemplo, a retirada de seu embaixador de Israel, o discurso na ONU… É semelhante ao Irã. (…) O governo Chávez vem cumprindo um papel progressista para a Venezuela e América Latina porque enfrenta o imperialismo … Para continuar, deve aprofundar o processo revolucionário, depurar o exército e a burocracia estatal.
Chávez é um dirigente militar que ficou fora do regime venezuelano clássico ao dar um golpe progressista e radicalizou-se à medida que foi confrontado pelo imperialismo e pela burguesia. Por ser um governo que teve choques muito grandes com a burguesia nativa (golpe, greve patronal e sabotagem petroleira), não representa seus interesses. Concluímos que é um governo nacionalista pequeno-burguês enfrentado com a burguesia e o imperialismo, e que terá que avançar para uma fase de medidas de enfrentamentos com o poder econômico que as classes dominantes ainda possuem (as multinacionais, bancos e setores importantes da burguesia nativa), e também deverá tomar medidas transicionais de tipo anticapitalista que abram realmente o caminho para o socialismo.“
Que política Fuentes propõe? “A tarefa na Venezuela é de unidade de ação e frente comum em torno às medidas progressistas e de impulso à organização e mobilização independentes do aparato estatal para implantá-las“.
Como vemos, são uma análise e uma política muito semelhantes à de Pablo para o governo do MNR na Bolívia, em 1952. Uma política destinada a exigir que Chávez “avance em direção ao socialismo” e conselhos de “aprofundar a revolução”, “depurar o exército”, etc. Como o pablismo, esta política de chamar as massas a confiar em Chávez (se nos mobilizarmos o suficiente, Chávez avançará) é o caminho seguro para uma derrota do processo revolucionário venezuelano.
É certo que, no artigo e na tese do MES, fala-se de defender a “autonomia sindical e a mobilização permanente dos trabalhadores”. Mas se o governo Chávez é “nacionalista revolucionário” e “enfrentado com a burguesia poderá tomar medidas transicionais de tipo anticapitalista”, se o eixo central é “defender suas medidas progressistas” através de uma “frente comum” com o governo, a autonomia sindical e a própria mobilização ficam subordinadas a essa política. Por isso, quando Chávez propôs a formação do PSUV, Fuentes e outras correntes pró-chavistas apoiaram com entusiasmo a entrada de um setor de dirigentes sindicais da CCURA nesse partido. Basta ler o discurso de Chávez, em março deste ano, atacando duramente a autonomia sindical para saber qual será a política do PSUV sobre este ponto.
Mas, para não restar dúvidas, vejamos a estratégia mais geral de Fuentes para toda a América Latina.
“No calor da mobilização latino-americana e da existência do processo bolivariano, na Venezuela, existe, de fato, um novo movimento nacionalista latino-americano que não tem contornos definidos e que varia de país para país. Apesar das desigualdades desse processo, é possível formular as palavras de ordem centrais de um programa de urgência adaptado às diferentes situações dos distintos países. Nós levantamos este programa e procuramos todo tipo de unidade de ação e frente única anti-imperialista com todos aqueles setores que queiram marchar nesse sentido, seja por acordos mínimos ou mais ou menos parciais. A aplicação de tal programa leva à ruptura com os setores dominantes da burguesia, e pode abrir o caminho para o aprofundamento dos processos em curso em direção à revolução socialista.”
Isto é, trata-se de uma frente dos trabalhadores e das massas com um setor da burguesia, através do movimento nacionalista latino-americano, formando um bloco, uma frente anti-imperialista contra o setor dominante da burguesia e o imperialismo. Esta seria a estratégia mais geral para toda a área e a tarefa imediata para os países onde houver governos do “processo bolivariano” (Equador, Bolívia e Venezuela).
A III Internacional, a Frente Única Anti-imperialista e o avanço de Trotsky a partir da revolução chinesa
Vejamos a posição dos clássicos sobre este tema. Como Moreno explica no texto A traição da OCI, a III Internacional fez a formulação de Frente Única Anti-imperialista em seu quarto congresso. A base teórica da resolução era que a revolução nos países coloniais e semicoloniais atrasados ocorreria em etapas. Daí a proposta de formar uma frente única entre o proletariado e as burguesias nacionais contra o imperialismo. Embora exigisse que o movimento operário tivesse autonomia política e organizativa nesta frente comum, não colocava a luta pela ditadura do proletariado como tarefa imediata. Portanto, não colocava como tarefa central imediata o combate intransigente contra estas burguesias nacionais. Refletia um atraso na elaboração pela não generalização das conclusões da teoria da revolução permanente e da experiência da revolução russa aos países do mundo colonial e semicolonial.
Trotsky corrigiria esta posição depois da experiência da revolução chinesa de 1927-28, na qual o PC chinês foi orientado por Stalin a disciplinar-se ao partido burguês Kuomintang de Chiang Kai Chek, com o argumento de que a burguesia nacional era “progressista” e que era necessário uma frente única com ela (ou um setor dela) contra o imperialismo. Essa política levou à trágica derrota da revolução e aos massacres de Xangai e Cantão. O balanço do acontecimento fez Trotsky corrigir sua posição e a de Lenin de 1922, estendendo a todo o mundo colonial as teses da Revolução Permanente, que até então só havia aplicado à Rússia.
A partir daí caracterizou a burguesia chinesa como incapaz de realizar a tarefa da independência nacional e inimiga estrutural do movimento operário. Somente a mais absoluta independência de classe e a preparação de uma aliança operário-camponesa garantiriam o caminho para a ditadura do proletariado, única forma de cumprir a tarefa de independência nacional e a ruptura com o imperialismo. A classe operária não devia formar um bloco com a burguesia nacional, mas, ao contrário, romper com ela. Trotsky sintetizou isso numa frase: “A revolução chinesa em sua nova etapa triunfará com a ditadura do proletariado ou não triunfará.”
Coerente com essa formulação, Trotsky abordou em 1938, no México, a análise do governo de Lázaro Cárdenas, que havia nacionalizado o petróleo pertencente ao capital imperialista inglês. Trotsky caracterizou tais governos como bonapartistas sui generis e aplicou as conclusões tiradas na China:
“A IV Internacional reconhece todas as tarefas democráticas do Estado na luta pela independência nacional, mas a seção mexicana da IV Internacional compete com a burguesia nacional pelos operários e camponeses. Estamos em eterna competição com a burguesia nacional, como a única direção capaz de assegurar a vitória no combate aos imperialistas estrangeiros.”
Estava a favor de qualquer tipo de unidade de ação com estes movimentos nacionalistas burgueses, mas sob a condição de que nossa organização não participe desses partidos e conserve sua liberdade total de ação. Por isso, em seus trabalhos da década de 1930 Trotsky não voltaria a falar da Frente Única Anti-imperialista.
As verdadeiras posições de Moreno
Agora, vamos ver várias citações de Moreno para mostrar que suas posições foram opostas pelo vértice às que hoje são defendidas por Pedro Fuentes. Nem sequer temos necessidade de recorrer à longa história de luta de Moreno e das organizações que dirigiu na época contra Perón, o peronismo e seu regime bonapartista. Para sintetizar, citaremos somente dois textos: Atualização do Programa de Transição e A traição da OCI.
Na Atualização do Programa de Transição (Tese XXIX, “As frentes anti-imperialistas, democráticas, feministas, etc.”), Moreno alertava sobre o perigo de confundir a política de frente única operária e estendê-la à burguesia nacional sob a fórmula de frente única anti-imperialista:
“A grande tarefa da IV Internacional é tornar os trabalhadores independentes de qualquer relação e organização estáveis com outras classes. A maior tarefa da IV Internacional é tornar a classe operária politicamente independente. (…) O trotskismo tem que combinar sua luta permanente e sistemática para libertar a classe operária, separando-a de qualquer outra classe e organizando-a independentemente, com a promoção e intervenção em qualquer luta progressista, mesmo que não seja operária.”
Em A traição da OCI, embora esse texto esteja dirigido centralmente à polêmica sobre a capitulação da OCI francesa ao governo frente-populista de Mitterrand, Moreno desenvolveu uma formulação teórica mais geral sobre a teoria dos “campos progressistas” construída por todas as correntes revisionistas e mostrou sua origem, desde o primeiro revisionismo dentro do marxismo, o de Bernstein, até Stalin, Mao e o pablismo. Neste marco, teve que polemizar também com um texto de Luís Favre, nesse momento dirigente do lambertismo, no qual ele defendia a política de frente única anti-imperialista, apegando-se aos textos da III de 1922.
“Resumindo os argumentos de Lambert-Favre, teremos: nos países semicoloniais e coloniais existem dois campos, o anti-imperialista, integrado pelo proletariado, pelas massas e pelo setor da burguesia chamado ‘nacionalista’; e o imperialista, representado pelo imperialismo e pelos setores da burguesia ligados a ele. O dever do partido do proletariado, o eixo de sua politica… não é buscar a independência de classe do proletariado e, nesse marco, estudar a conveniência tática de fazer tal ou qual acordo limitado e circunstancial com algum setor da burguesia, mas fazer exatamente o contrário. O permanente, o estratégico, é o acordo com a burguesia; a ‘auto-organização da classe operária’ (supondo, com grande dose de boa vontade, que isso seja sinônimo de independência de classe) fica em segundo plano.”
As frases de Pedro Fuentes reproduzidas acima são praticamente iguais às de Lambert-Favre e propõem o mesmo: estar num “campo”, num bloco permanente com Chávez contra o imperialismo, embora falem ritualmente de auto-organização. Por isso, esteve contra a organização do PRS, disse que era sectário organizar um partido por fora do aparato chavista e não teve dúvidas em chamar o PRS e a CCURA a entrarem no PSUV, o partido do governo chavista e da ala burguesa que o sustenta.
Em seguida, para sintetizar a posição de Trotsky contra Mao/Stalin para a China, Moreno explicava: “A guerra nacional de defesa contra o imperialismo de nenhuma maneira relega a luta de classes a um plano secundário. Ao contrário, o proletariado e seu partido lutam na primeira fila contra o invasor estrangeiro. Entretanto, mantêm sua total independência organizativa e preparam a derrota revolucionária da direção burguesa.” Cabe recordar que se tratava de uma luta militar contra o ocupante japonês e uma dura disputa pelos territórios com o inimigo imperialista. Numa situação em que não haja uma guerra em curso, os trotskistas têm um dever ainda maior de manter sua independência organizativa e preparar a derrota revolucionária do governo burguês de turno, neste caso, o de Chávez.
Em nenhuma parte do texto de Fuentes pode-se encontrar uma definição que aponte este caminho. Não se trata apenas de que Fuentes não fala em “preparar a derrota revolucionária do governo burguês“. Nem sequer fala de ser oposição de esquerda a Chávez. Novamente, então, perde sentido a necessidade de construir um partido revolucionário na Venezuela. Basta ser parte do bloco de apoio a Chávez.
Também a posição de Fuentes sobre a defesa das “medidas progressistas” de Chávez é a mesma que Lambert defendia para o governo Mitterrand. Vejamos o que Moreno dizia sobre este tema num texto de 1982, intitulado O centro do revisionismo é o SU:
“A política de “‘poiar as medidas anticapitalistas e rejeitar as reacionárias’ é menchevismo puro, já que incute nos trabalhadores a concepção traidora de que esse governo não é contrarrevolucionário, burguês e imperialista, mas um governo híbrido que em alguns momentos pode ser burguês e em outros anticapitalista.
“Que, ao contrário, é nosso dever denunciar sempre os governos burgueses, e nunca apoiar suas medidas, por mais progressistas que pareçam, pois tal coisa, além de servir para enganar as massas, daria ao governo armas políticas para aplicar o conjunto de sua política contrarrevolucionária, da qual as ‘medidas progressistas’ são parte indissolúvel.”
Isto é, o eixo proposto por Pedro Fuentes é respondido categoricamente por Moreno, que considerava ser esta uma política traidora. O raciocínio de Moreno era que os oportunistas “só” apóiam as medidas progressistas deste tipo de governo e chamam seu aprofundamento, mas se negam a denunciá-lo. Por isso, no citado texto de Fuentes não aparece nenhuma denúncia contra Chávez, nem de seu projeto para desviar a revolução, mas sim a “aposta” de que esse governo “vá mais além”.
A reconstrução da IV só se dará com um duríssimo combate à capitulação a esse tipo de governo
A reconstrução da IV encontra um momento mais favorável pela situação objetiva da luta de classes e pela falência do stalinismo. No entanto, isto não significa um caminho fácil e aberto para sua reconstrução, o que requer, em primeiro lugar, a construção de partidos revolucionários em cada país.
Mas há uma condição vital para que isso se dê. Os partidos revolucionários só podem fazê-lo de verdade ao se postular como alternativa para dirigir a classe operária na luta pela ditadura do proletariado, em permanente combate contra todos os governos burgueses e todas as direções burocráticas.
Por isso, a outra consequência da polêmica sobre a Venezuela é que retoma velhas discussões da IV e do movimento trotskista. Em 1952, a direção pablista recomendava ao POR boliviano o apoio ao governo burguês e se transformara, de fato, num “conselheiro crítico” do MNR de Paz Estenssoro. Em 1979 o SU de Mandel propôs “aconselhar” a FSLN que “avançasse ao socialismo” e, coerente com tal posição, proibiu qualquer tentativa de construir partidos trotskistas na Nicarágua.
A construção de um partido revolucionário, trotskista, na Venezuela hoje é uma questão decisiva. Não é casual que este ponto básico novamente divida águas. De um lado, estão os que afirmam que se deve apoiar o governo de Chávez. Por isso, fazem parte do partido chavista, o PSUV, crendo poder pressioná-lo para avançar ao socialismo. Do outro, estamos nós, aqueles que afirmam que se deve construir um partido operário, revolucionário e socialista no país, no marco da reconstrução da IV Internacional.
Publicado em julho de 2007 na revista Marxismo Vivo N. 15