Nossos acordos e nossas diferenças com o Hezbollah
A recente guerra do Líbano e a vitória do Hezbollah contra as tropas israelenses invasoras colocaram-no como a principal referência para as massas árabes muçulmanas na luta contra Israel. As bandeiras desta organização e as fotos de seu líder, Hasan Nasrallah, aparecem hoje em todas as mobilizações da região, e também naquelas realizadas pelos emigrantes

A recente guerra do Líbano e a vitória do Hezbollah contra as tropas israelenses invasoras colocaram-no como a principal referência para as massas árabes muçulmanas na luta contra Israel. As bandeiras desta organização e as fotos de seu líder, Hasan Nasrallah, aparecem hoje em todas as mobilizações da região, e também naquelas realizadas pelos emigrantes em outros países do mundo. Podemos dizer que o Hezbollah transformou-se, de fato, numa direção reconhecida pelas massas árabes e muçulmanas. Faz-se necessário, então, definir que tipo de organização é, precisar os acordos e as diferenças que temos e nossa política em relação a ele.
Alejandro Iturbe e José Welmowicki
Sua história
O Hezbollah é uma organização política libanesa de ideologia fundamentalista islâmica, fundada no início da década de 1980 e apoiada por uma ala da hierarquia xiita ligada ao recente regime iraniano do aiatolá Khomeini.
Desde então, teve um crescimento e um desenvolvimento constantes. Dois fatores influenciaram esta dinâmica. Em primeiro lugar, o Hezbollah não reconhece a existência do Estado de Israel e defende sua destruição, pelo que começou a ocupar o espaço que correntes, como a OLP e o nacionalismo laico árabe, deixaram ao abandonar esta bandeira. Em segundo lugar, sua atitude frente à invasão israelense do Líbano, a partir de 1982, permitiu-lhe ganhar influência de massas neste país, enraizando-se na população xiita dos bairros mais pobres de Beirute e do sul do país.
A partir daí, não se desenvolveu apenas como organização militar, mas também passou a administrar centenas de municípios, hospitais, escolas e empresas de construção de casas populares. Também participou de eleições, conseguiu eleger vários deputados e hoje integra o governo do Líbano, com vários ministros. Isto é, não se trata de uma corrente guerrilheira clássica, mas de uma direção burguesa que se integrou aos negócios e ao estado burguês, mantendo uma força policial própria, superior ao próprio exército nacional libanês. Por isso, o imperialismo, Israel, a ONU e setores da burguesia libanesa sempre tentaram desarmá-lo. Esse era o principal objetivo da recente invasão israelense do Líbano e a guerra que a seguiu.
Foi precisamente em resposta a esta agressão brutal que o Hezbollah derrotou as tropas sionistas. Isto não só o transformou, de fato, no exército de libertação nacional do Líbano, mas aumentou enormemente seu prestígio em todo mundo muçulmano.
Os acordos e as críticas
Nossa principal coincidência com o Hezbollah é, portanto, a proposta de destruição do Estado de Israel.
Com sua luta militar e sua vitória contra as tropas sionistas, esta organização fez com que esta tarefa seja possível e concreta hoje, como nunca o foi desde a fundação do Estado de Israel. Neste sentido, estamos, sem vacilar, no campo militar do Hezbollah em sua luta contra Israel.
No marco desta unidade de ação, não depositamos nenhuma confiança política em sua direção devido a seu caráter burguês e religioso. É inevitável alertar que, pelo seu caráter burguês, cedo ou tarde, a direção do Hezbollah terminará capitulando ao imperialismo.
Alguns elementos dessa capitulação já se expressam hoje. Por exemplo, está sustentando o exército e o estado burguês do Líbano, permitindo-lhes recuperar espaço e prestígio, apesar de não terem movido um dedo para defender o país contra Israel. Da mesma forma que as outras forças do parlamento libanês, aceita a divisão confessional imposta pelo imperialismo francês e a burguesia local, que até hoje obriga os libaneses a votarem de acordo com sua religião.
Tampouco deu passos concretos para unificar a luta das massas árabes e muçulmanas contra Israel, quando tinha todas as condições para chamar a formação generalizada de milícias por todo povo libanês, acima de qualquer divisão religiosa, e especialmente a incorporação ativa nesta luta dos quase 500 mil refugiados palestinos que vivem no Líbano. Isto é essencial, não só por seu peso social, mas porque esta seria uma forma concreta de unir as lutas contra Israel na região. Nem defendeu a derrota dos governos cúmplices de Israel e do imperialismo na região, como os da Arábia Saudita, Egito e Jordânia. Neste sentido, tampouco critica o governo iraniano pelo seu apoio ao governo títere de ocupação do Iraque.
Esclarecemos que falamos, hoje, de “elementos” e não de “capitulação” porque o Hezbollah mantém seu chamado à destruição de Israel e, ao mesmo tempo, negou-se a se desarmar. Por isso, essas críticas se dão, atualmente, no marco do chamado à unidade de ação nessa luta e da exigência à direção do Hezbollah para impulsionar tudo que seja necessário para destruir Israel.
Que saída devemos construir?
Outra diferença profunda que temos com o Hezbollah e com outras correntes islâmicas é sua proposta de construir estados islâmicos na Palestina e nas nações muçulmanas. É verdade que, no Líbano, o Hezbollah fale de não a aplicar como em outros países, mas essa ainda é sua proposta programática. Consideramos que se trata de uma proposta totalmente equivocada, porque divide os palestinos e outros povos da região entre quem tem fé muçulmana e quem não tem, em vez de uni-los na luta contra o sionismo e o imperialismo. Por outro lado, a experiência iraniana mostra que essa proposta originou uma ditadura burguesa de ideologia teocrática que reprime a esquerda, os trabalhadores, as minorias como os curdos e oprime as mulheres, em nome da fé islâmica.
Ao contrário, nossa proposta é que, depois da destruição do Estado de Israel, deve-se construir um único Estado palestino laico, democrático e não racista, como um passo até a formação de uma federação de repúblicas socialistas no Oriente Médio.
É evidente que a bandeira de “estado islâmico” representa um retrocesso em relação à velha palavra de ordem de fundação da OLP. Mas este retrocesso não é culpa das massas árabes, e sim das correntes laicas “progressistas” e de esquerda que deixaram esta bandeira de lado. Ao mesmo tempo, temos que assinalar que, mesmo com suas profundas contradições, a posição e a ação do Hezbollah são hoje muito mais progressistas que a de todos os que reconhecem o Estado de Israel e abandonaram a luta por sua destruição.
Em resumo, no marco da participação unitária da luta contra Israel, nossas críticas à direção do Hezbollah concentram-se, em primeiro lugar, em suas inconsequências nesta luta e, em segundo, nas profundas diferenças que temos com seu programa. A saída de fundo para a região passa pela construção de uma verdadeira alternativa de direção operária e revolucionária para as massas do Oriente Médio.
Publicado em outubro de 2006 na revista Marxismo Vivo N. 14