América Latina: recolonização e resistência
Em seu discurso na sessão de encerramento da Cúpula das Américas, em Mar del Plata, em novembro de 2005, o presidente do México, Vicente Fox, havia anunciado o lançamento da ALCA para abril de 2006. Por: Cecília Toledo e José Welmowicki Mas o que estamos vendo neste abril de 2006 não é isso. Pelo contrário.

Em seu discurso na sessão de encerramento da Cúpula das Américas, em Mar del Plata, em novembro de 2005, o presidente do México, Vicente Fox, havia anunciado o lançamento da ALCA para abril de 2006.
Por: Cecília Toledo e José Welmowicki
Mas o que estamos vendo neste abril de 2006 não é isso. Pelo contrário. São os indígenas equatorianos marchando pelas ruas de Quito repudiando a assinatura do acordo com os EUA por atentar contra a soberania do país; o povo peruano derrotando nas urnas os candidatos que defendem a assinatura do acordo; o povo boliviano pressionando Evo Morales para nacionalizar o gás, o povo da Costa Rica resistindo, enfim, os TLCs encontrando sérias barreiras para irem adiante.
O que aconteceu? Vicente Fox deu um tiro no escuro ao lançar a ALCA para abril de 2006? Na verdade, o imperialismo americano, em primeiro lugar, e o europeu em segundo, não contavam com tanta resistência à implantação da ALCA, e foram obrigados a mudar de tática para continuar explorando o continente latino-americano.
O fracasso do projeto inicial da ALCA
Em primeiro lugar, é preciso ver o que aconteceu com o projeto original da ALCA. As negociações ficaram estranguladas em 2003, quando as divergências entre os grupos capitalistas envolvidos chegaram a tal ponto que atingiram a estratosférica marca dos 5.300 itens em conflito!
A ALCA era um projeto claro para reforçar a dominação integral dos Estados Unidos sobre a América Latina, mas tudo leva a crer que sofreu um forte revés diante do pesado jogo de interesses entre as empresas envolvidas. Os EUA têm uma pretensão: submeter o conjunto dos países latino-americanos a uma espécie sui generis de livre comércio, no qual um dos lados abriria todas as suas portas, enquanto o outro manteria as suas bem fechadas. A ALCA, expressão mais acabada desse projeto, é, na verdade, um grande acordo colonial que vai muito além das relações comerciais e abarca os serviços, a exploração de riquezas naturais, as transações financeiras, o controle da tecnologia em mãos das multinacionais por meio da lei de patentes, a perda do controle energético e a ameaça à Amazônia, as decisões sobre a agricultura e até mesmo ingerência na legislação trabalhista. Enfim, caso fosse assinada, a ALCA implicaria uma adaptação total da estrutura econômica, política e jurídica dos Estados latino-americanos e caribenhos, mas não para responder aos interesses próprios da região, e sim para melhor atender aos interesses dos EUA e aos bolsos dos grandes capitalistas norte-americanos.
Proposta pelo governo Clinton durante a 1ª Cúpula das Américas, realizada em Miami (EUA) em 1994 e retomada na 2ª Cúpula das Américas em Santiago (Chile) em 1998, a ALCA propunha-se a reunir em um mesmo “bloco comercial” os EUA e 33 países da América Latina e do Caribe, com exceção de Cuba. Em linhas gerais, não existiriam mais fronteiras para o capital nas Américas, resultante da abolição de todas as tarifas alfandegárias nos países da América Latina e do Caribe, mas sem a devida contrapartida do mercado norte-americano, ao contrário, com o reforço do seu protecionismo.
Esse projeto inicial da ALCA teve de ser adiado. Isso não significa dizer que o projeto do imperialismo americano de reforçar sua dominação integral sobre a América Latina tenha sido abandonado. Pelo contrário. Ele avança, com novos indícios de recolonização, mas não somente por meio da ALCA, tal como havia sido pensado em 94 e depois em 98. O cronograma inicial da ALCA não pôde ser cumprido porque os atritos que o cercaram fazem parte da queda de braço que vem se travando entre o imperialismo, as burguesias locais e o movimento de massas, e da situação revolucionária que convulsiona o continente há alguns anos.
Quais foram as causas da não assinatura desse projeto inicial? Apesar de admitir a importância dos movimentos sociais contrários a ela, o economista e professor da Universidade de Buenos Aires Cláudio Katz aponta as contradições na cúpula da ALCA como um dos elementos centrais. “Nas negociações da ALCA, os Estados Unidos fizeram fortes demandas, recusaram qualquer concessão e buscaram ajustar todos os itens do acordo às conveniências de suas empresas. Esta inflexibilidade levou ao estancamento das negociações. Os negociadores latino-americanos tentaram manter as negociações, mas a partir de 2002 questionaram sua continuidade” (“A ALCA naufraga, os bilaterais emergem”). Segundo Katz, os interesses dos grupos exportadores e das multinacionais entraram em atrito com os interesses dos setores menos globalizados e mais dependentes de cada mercado interno, tanto dentro como fora dos EUA.
Os propulsores da ALCA são as empresas norte-americanas que atuam na órbita do comércio exterior, as empresas com investimentos regionais e as corporações com maior competitividade internacional, mas nem todas ganhariam com a redução das tarifas alfandegárias. As empresas que operam com serviços (sobretudo financeiros) e em atividades muito dependentes dos contratos de propriedade intelectual (informática e produtos farmacêuticos, por exemplo), lucrariam enormemente com a ALCA. No entanto, os setores protegidos da indústria (como o aço) e a agricultura (como o açúcar), nem tanto, porque teriam de enfrentar a concorrência dos exportadores latino-americanos. Mesmo se tratando de uma concorrência totalmente desigual, já que a agricultura norte-americana é fortemente subsidiada e a abertura dos mercados americanos seria mínima, as firmas americanas não admitem um acordo no qual seu predomínio esteja ameaçado. Esse foi um dos fatores que levaram ao fracasso da ALCA.
”Embora o sacrifício de abertura oferecido pelos Estados Unidos seja muito pequeno em comparação ao que obtêm em troca, os negociadores de Bush não abriram mão de nada. Colocaram sobre a mesa o poderio imperialista para impor suas demandas sem nenhuma contrapartida, porque precisavam utilizar as concessões da América Latina para compensar os perdedores norte-americanos do acordo. Por essa via, esperavam assegurar a aprovação legislativa da ALCA. Mas essa política de esticar ao máximo as negociações desembocou em um completo fracasso.” (Claudio Katz, texto citado.)
Essa tentativa de obter tudo sem dar nada em troca chocou-se com uma resistência, embora débil, das empresas latino-americanas e dos governos envolvidos nas negociações, que perceberam que não teriam um maior acesso ao mercado norte-americano, fortemente protecionista, perdendo espaço frente aos competidores estrangeiros, infinitamente mais poderosos.
Essas contradições interburguesas que paralisaram a implantação da ALCA também se manifestam no âmbito da União Europeia. Como ocorre com a agricultura americana, a pressão dos produtores agrícolas europeus contrários à redução dos subsídios que recebem do Estado é forte, refletindo a oposição à abertura de seus mercados aos produtos agropecuários do mundo colonial e semicolonial. Com isso, as principais potências imperialistas americanas e europeias não chegam a um acordo, retardando a chamada Rodada Doha, da OMC, e deixando, de fato, a ALCA paralisada.
Deve-se ressaltar dois elementos que levaram ao fracasso do objetivo inicial do imperialismo: aplicar um plano colonizador global para a região em 2005. Primeiro, a resistência das massas (não podemos esquecer que ocorreram plebiscitos massivos contra a ALCA e inúmeras manifestações de rua) e, segundo, as contradições entre as burguesias locais, mesmo débeis, e as grandes multinacionais norte-americanas, bem como os conflitos entre o imperialismo americano e europeu pelo controle dos mercados e dos negócios na América Latina.
A nova safra de TLCs. Mais draconianos, impossível
Nem as plantas e os animais estarão a salvo se a nova safra de TLCs for assinada com os EUA. Na Cúpula de Mar del Plata, o próprio Bush fez os governos latino-americanos comprometerem-se na defesa desses acordos bilaterais, os chamados tratados de livre comércio (TLCs). Sempre existiram acordos bilaterais com os países latino-americanos, mas agora se trata de uma contraofensiva do imperialismo diante do fracasso de seu plano inicial, de criar rapidamente uma área de livre comércio que colocasse o conjunto do continente embaixo de suas asas. Com isso, as negociações em bloco foram substituídas pelas bilaterais, onde o poder de pressão das grandes potências é ainda maior em contraste com as economias frágeis dos países latino-americanos.
O plano inclui o reforço do NAFTA, acordo que já existe há mais de dez anos entre EUA, Canadá e México, e do TLC com o Chile, a ratificação de novos convênios (América Central e República Dominicana) e a negociação de outros acordos (Panamá, Peru, Colômbia e Equador). O NAFTA seria o modelo para todos os demais. Então, basta olhar para o México para se ter uma ideia do que esses tratados podem significar para as populações locais, caso funcionem como os Estados Unidos preveem. Desde a vigência do acordo, a taxa de crescimento é inferior à média das décadas anteriores. Mais de um terço da população trabalha no setor informal e o aumento da pobreza acompanhou o arrocho salarial. A crise rural atinge proporções alarmantes. Entre 1985 e 1999, a erosão do solo cresceu 89% e a poluição do ar 97%. O modelo no qual o México foi forçado a enquadrar-se é o da especialização exportadora. Com isso, formas embrionárias de articulação industrial foram substituídas pelas maquiladoras, que apenas fazem a montagem dos produtos para exportação. É um esquema que se nutre da exploração de uma força de trabalho jovem, mal remunerada, pouco qualificada e submetida a exigências de trabalho infrahumanas.
Já no acordo com o Chile, o modelo imposto foi o da exportação de recursos naturais. Em troca de certos benefícios para vender frutas, peixes, madeira e minerais, o Chile tem de manter um nível de proteção alfandegária inferior à média de qualquer outro país sul-americano. Por isso, os pequenos comerciantes e pequenos industriais suportam uma concorrência externa devastadora. Isso acentua a primarização (força o país a dedicar-se apenas à produção de produtos primários) e a desigualdade social. Tanto que a quinta parte mais rica da população chilena apropria-se de 56% do ingresso nacional, enquanto a quinta parte mais pobre obtém apenas 4% desse total. Os tratados firmados na América Central (CAFTA) combinam o modelo da “maquila” (montagem de produtos para exportação) com a exportação primarizada.
A nova safra de TLCs com os países do chamado Pacto Andino (Peru, Equador e Colômbia) e a Costa Rica vão além do NAFTA, porque incluem certas obrigações antes inexistentes, como a privatização da saúde, ampliação dos direitos de propriedade intelectual para setores nunca imaginados, como plantas e animais, além do reforço do controle externo sobre as finanças e as telecomunicações dos países-alvo. Segundo Katz, esses acordos hierarquizam a instalação de plantas de montagem industrial (eletrônica, vestuário, automotores) nos países da América Central, próximos ao mercado norte-americano. Já nos países da América do Sul, é incentivada a exportação de recursos naturais. Em ambos os casos, acentua-se a dependência da estrutura produtiva latino-americana em relação às megacorporações norte-americanas.
Capital europeu de olho no botim
O imperialismo europeu também quer a sua parte na reconquista da América Latina. Vem tentando assinar acordos bilaterais com os países da área, como México e o Chile, ou com o Mercosul de conjunto, jogando pesado nos Fóruns Íberoamericanos para tentar controlar partes maiores do comércio e investimentos.
A Espanha é um dos países europeus que mais investem na América Latina. Aproveitou grande parte do botim representado pelas empresas estatais que foram privatizadas na década de 90. Hoje, em especial no Brasil e na Argentina, alguns dos setores estratégicos da economia no setor bancário, de serviços, telecomunicações e energia são controlados pelo capital espanhol. São grandes empresas de peso no mercado mundial, como a Endesa, Repsol, Telefônica e Banco Bilbao-Viscaia. Até 2001, a Espanha concentrava 50% dos investimentos europeus na América Latina, só perdendo para os Estados Unidos, que se ocupam sobretudo do setor industrial, com as maquiladoras.
Ambos os imperialismos tentam fazer uma divisão “amigável” do botim, mas alguns negócios espanhóis têm gerado atritos entre eles. Alguns analistas afirmam que o capital europeu é melhor, porque oferece um tratamento mais benéfico para a América Latina do que seu concorrente norte-americano e elogiam as cláusulas de equidade social de suas propostas de livre-comércio. Mas, como afirma Cláudio Katz, isso não tem efeito prático e serve para disfarçar contratos tão perniciosos como os subscritos com o gigante do Norte. ”Basta observar o conteúdo dos acordos Europa-Chile, Europa-México ou Europa-Mercosul, para notar que, sob uma retórica de cooperação, as mesmas exigências de propriedade intelectual e redução alfandegária que caracterizam a ALCA estão presentes. E em certos itens, como a proteção aos investimentos, essas exigências são ainda mais severas que as impostas pelos Estados Unidos“. (Texto citado)
Lembremos também que no processo de privatização, as empresas estatais que caíram nas mãos do capital europeu viraram centros de corrupção, roubalheira e péssimo atendimento à população. No Brasil, um exemplo dessa incúria é a Telefônica, que se apoderou, a preço de banana, do serviço público de telefonia e transformou tudo num grande desastre. As tarifas não param de subir, a empresa contratou mão de obra desqualificada, pagando salários de miséria, não fez os investimentos de infraestrutura necessários e os serviços transformaram-se num verdadeiro tormento para a população. Outro caso semelhante é o da Suez, empresa de capital francês que controla o serviço de água na Argentina e que se revelou um grande escândalo de fraude e corrupção, além de estar sendo acusada de distribuir água contaminada para a população.
Na área do comércio, a política europeia não tem diferenças com a norte-americana. Apesar de o capital norte-americano ainda ser hegemônico na região, a política comercial europeia expressa a mesma pretensão de dominação e controle de setores estratégicos da economia, sem qualquer concessão ou benevolência.
Recolonização e resistência
A paralisia da ALCA e a pressão para assinar os TLCs mostram que a ofensiva recolonizadora do imperialismo na América Latina continua de pé. E a resistência das massas também.
Quanto ao primeiro elemento dessa equação – a ofensiva recolonizadora – é preciso lembrar que, mesmo sob governos frente-populistas levados ao poder pelas massas iludidas, as pequenas vitórias táticas transformam-se em derrotas maiores. Nunca no Brasil, por exemplo, um governo burguês conseguiu um superávit primário tão grande (mais de 4% do PIB) destinado unicamente ao pagamento da dívida pública, como fez Lula. Logo, se esse governo desferiu tamanho ataque às massas, não se pode descartar que volte a negociar e a fazer grandes concessões para a implantação da ALCA. Na verdade, sua política é conseguir a abertura dos mercados agrícolas, para aí sim aceitar a ALCA e tudo o que ela significa.
A resistência das massas foi decisiva para levar o projeto inicial da ALCA ao pântano em que se encontra. Essa resistência cresceu nos últimos cinco anos: a revolução argentina, a derrota do golpe pró-imperialista na Venezuela, a revolução no Equador que derrubou Lúcio Gutierrez, e a revolução boliviana pela nacionalização do gás foram seus pontos altos. O resultado foi o crescimento da consciência anti-imperialista em todo o continente, que teve uma de suas expressões na marcha dos povos em Mar del Plata, em 2005, em repúdio a Bush e à ALCA.
A resistência dos povos latino-americanos à implantação da ALCA pôde contar com um elemento a mais: o pântano em que se transformou o Iraque para os Estados Unidos, debilitando a capacidade do governo Bush de endurecer e abrindo uma crise política no coração do imperialismo. Hoje as pesquisas mostram que o apoio da opinião pública a Bush não passa de 36%. Para quem chegou a 80% de aprovação, logo depois dos ataques de 11 de setembro às Torres Gêmeas, é uma queda brusca. Com a capacidade de negociação debilitada, Bush tomou-se mais suscetível às pressões dos setores menos competitivos da burguesia norte-americana, como os produtores agrícolas de soja, laranja, trigo e carne, ou setores industriais como aço e sapatos, que não conseguem competir com os produtores brasileiros e argentinos.
Equador e Peru: a exigência por uma consulta popular
Os Estados Unidos pressionam os governos da região para que assinem os TLCs, mas a resistência das massas continua e em alguns casos inclui a exigência de uma consulta popular que envolva todo um processo de esclarecimento da população sobre o significado dos tratados.
No Equador, o TLC continua emperrado, graças à ação decisiva das massas equatorianas, que conseguiram derrubar Lúcio Gutierrez e agora mantêm o governo de Palácios contra a parede, sem forças para implementar o tratado assinado com os EUA. A luta fez inclusive a CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador) ressuscitar. Há dois meses, ela convocou suas bases e os camponeses indígenas, que iniciaram bloqueios das vias de acesso às cidades mais importantes do país, inclusive a capital, Quito, para mostrar ao governo e aos empresários exportadores, os beneficiários do TLC, que quem produz os alimentos para a população, os camponeses, são os principais prejudicados pela assinatura do acordo com os Estados Unidos. Isso já está comprovado por vários estudos, um deles da CEPAL, concluindo que, das cerca de 850 mil unidades produtivas agrícolas do país, quase a metade estará ameaçada pela entrada dos produtos americanos, que são principalmente alguns tipos de milho, arroz e batata. Segundo esse mesmo estudo, em um cálculo por baixo, aproximadamente 20% dos postos de trabalho em unidades produtivas de subsistência seriam perdidos, o que significa mais de 50% do total de propriedades agrícolas do país. Embora isto esteja comprovado e discutido por vários setores da sociedade, o governo de Palácios, que assumiu dizendo que iria implementar a consulta popular sobre o TLC, esqueceu a promessa e partiu para o tudo ou nada, bancando o tratado: “o TLC vai porque vai”.
Mas para isso terá de enfrentar os camponeses, indígenas e trabalhadores, que exigem a suspensão das negociações do tratado e a convocação de uma consulta popular, o cancelamento do contrato e a consequente expulsão da petrolífera Occidental Petroleum, conhecida como Oxy, a nacionalização do petróleo e o chamado a uma Assembleia Nacional Constituinte. Segundo o presidente da CONAIE, o objetivo é chegar a uma consulta popular sobre a assinatura do TLC. A última rodada de negociações com Estados Unidos começou no dia 23 de março e, segundo as notícias que chegaram ao país, a mesa de serviços não chegou a nenhum acordo até agora.
No Peru, Toledo aproveitou que estava de saída do governo e bancou a assinatura do tratado com os Estados Unidos no dia 12 de abril passado, passando por cima de um mandato de segurança impetrado no dia 6 de abril, exigindo que a assinatura do TLC fosse submetida a um plebiscito nacional. O Tribunal Superior Eleitoral recebeu mais de 100 mil assinaturas exigindo o plebiscito, que foi aceito. Por meio de uma resolução oficial publicada no jornal El Peruano, no dia 8 de abril passado, o Tribunal informava que havia resolvido “atender ao pedido e convocaria o plebiscito nacional“. Toledo passou por cima disso e assinou o tratado, que ainda precisa ser ratificado pelos Congressos dos dois países, e tudo indica que vai sofrer uma dura resistência por parte do povo peruano. O provável futuro presidente do país, Olanta Humala, teve de centrar sua campanha eleitoral na crítica ao tratado com os Estados Unidos. Mas, mesmo fazendo críticas a Toledo e dizendo que é preciso “rever as cláusulas do Tratado”, já adiantou que não é contra assinar acordos com os EUA, desde que sejam “benéficos” para o país.
Na Costa Rica, grandes manifestações populares têm impedido, até agora, a assinatura de qualquer tratado.
Um processo irreversível
O processo de recolonização que atinge a América Latina e o Caribe é irreversível. Já no ano 2000, em um artigo publicado na revista Marxismo Vivo, José Welmovick afirmava que “O traço central, do ponto de vista estrutural, desses últimos anos na América Latina foi estar atravessada por uma ofensiva econômica, política e militar do imperialismo. Podemos dizer que se trata de um movimento global de longo alcance, que envolve as relações do conjunto do subcontinente com o imperialismo, em particular com os EUA, e que introduz modificações estruturais entre os Estados. Nesse sentido, a dolarização da economia equatoriana e, mais claramente, a atual intervenção militar na Colômbia são as expressões mais avançadas de um fenômeno que adquire características continentais“. (Marxismo Vivo, n º 2)
As massas estão lutando. Conseguiram colocar a ALCA em ”banho-maria”, estão impondo obstáculos ao avanço dos TLCs, mas a recolonização de nossos países prossegue, com a reestruturação e o controle direto de suas instituições políticas, econômicas e jurídicas a serviço dos interesses do imperialismo norte-americano e europeu. Prova disso é que o fracasso da ALCA não impediu que os Estados Unidos dessem a volta por cima e contra-atacassem com os TLCs. A ganância das grandes corporações norte-americanas e europeias, e de seus governos que representam o grande capital, não tem limites. Os países latino-americanos, quase sem exceção, passaram há pouco tempo por grandes revoluções contra os efeitos devastadores em suas condições de vida causados pela ganância imperialista. Agora, uma onda de governos com caráter de frentes populares percorre a América Latina. Mas nenhum deles quer enfrentar o imperialismo para impedir o saque e a devastação de nossos países.
Isso confirma as previsões do ano 2000, no artigo citado acima: “O rumo da América Latina parece inexorável. Nenhum setor burguês impedirá que a maioria dos países latino-americanos transforme-se em colônia dos EUA e das principais potências europeias. A tarefa de liberar o continente fica, assim, nas mãos dos explorados da cidade e do campo. ( … ) As massas latino-americanas dão mostras de que estão dispostas a começar a assumir essa tarefa. Um rastilho de explosões, de diversos tipos, percorre a maioria dos países do continente. As massas agem. Confrontos ainda mais violentos são inevitáveis e eles colocam-nos, no próximo período, diante de uma disjuntiva de ferro: revolução ou colônia“.
Mais do que nunca, o tempo e a realidade estão provando que não há substituto para a revolução. A única forma de resolver essa disjuntiva a favor dos povos latino-americanos é romper com o imperialismo e expropriar o capital. E quanto mais isso se atrasa, mais o imperialismo avança. Mas nessa queda de braço, as massas estão dando mostras de que, se a ganância imperialista não tem limites, a sua paciência tem. E se é verdade que, apesar das revoluções que derrubaram os governos entreguistas na Argentina, na Bolívia e no Equador, em nosso continente, a colonização continua, é também verdade que depois delas se fortaleceu o processo de reorganização dos trabalhadores, cresceu o sentimento anti-imperialista entre as massas latino-americanas e aprofundou-se a polarização entre as classes sociais. A disjuntiva revolução ou colônia fica cada vez mais em carne viva.
Publicado em outubro de 2006 na revista Marxismo Vivo N. 13