Como marxistas e reformistas abordaram a questão judia e o sionismo
Os revolucionários Lenin foi o autor da política para as nacionalidades presente no programa do POSDR 1 e colocada em prática pelo Partido Bolchevique ao assumir o poder após a Revolução de Outubro. Uma das consequências foi a abolição de todas as leis e restrições contra os judeus na Rússia, pois essa política propunha, como

Os revolucionários
Lenin foi o autor da política para as nacionalidades presente no programa do POSDR 1 e colocada em prática pelo Partido Bolchevique ao assumir o poder após a Revolução de Outubro. Uma das consequências foi a abolição de todas as leis e restrições contra os judeus na Rússia, pois essa política propunha, como tarefa fundamental, a luta contra a opressão aos judeus utilizada pelo império czarista para dividir os trabalhadores e manter sua dominação.
Por: José Welmowicki
Assim como Lenin havia formulado, somente com a tomada do poder pelos bolcheviques foi possível acabar com mais de 500 leis discriminatórias contra os judeus e integrar os quadros proletários e intelectuais ao nascente Estado operário russo. Uma expressão disso é que muitos dos principais quadros bolcheviques, como Sverdlov, Trotsky, Kamenev… eram de origem judaica.
Ao mesmo tempo, Lenin tratou da questão da organização dos proletários judeus no partido a partir da polêmica com o Bund. O Bund era a organização de operários judeus da Rússia, Polônia e Lituânia – todas pertencentes ao império czarista. Fundado em 1897, participou da formação do POSDR. Com sua base de artesãos, semiproletários, operários de pequenas manufaturas, eles defendiam a posição de se manterem como uma organização à parte dentro do Partido e como os únicos representantes dos proletários judeus dentro e fora do partido.
Lenin, assim como Trotsky, travou uma batalha contra essa posição. Lenin também identificava e combatia as tentativas do sionismo de retirar o proletariado judeu da luta contra o império russo e conduzi-lo a um projeto de emigração para a Palestina. Tentava demonstrar aos militantes do Bund que sua equivocada concepção de organizar separadamente os proletários judeus derivava da mesma falsa ideia de que os judeus da Rússia seriam uma “nação à parte”, o que, em essência, era semelhante ao ideário sionista.
Em vez de proclamar a guerra contra essa situação de isolamento historicamente surgida (agravada ainda mais pela desunião geral), 2 eles a elevaram a um princípio, amparando-se, para esse propósito, na sofisticação de que a autonomia é inerentemente contraditória e na ideia sionista de uma nação judaica. Somente se eles admitissem franca e resolutamente seu erro e se preparassem para avançar em direção à fusão, o Bund poderia se afastar do falso rumo que tomou. E nós estamos convencidos de que os melhores aderentes das ideias social-democratas dentro do proletariado judeu, mais cedo ou mais tarde, obrigarão o Bund a abandonar o caminho do isolamento para vir à fusão. 3
Trotsky tinha a mesma orientação que Lenin: no congresso do POSDR de 1903, foi ele quem pessoalmente travou a batalha contra a posição do Bund, de exigir autonomia para representar o proletariado judeu dentro do partido. E sempre combateu, por um lado, o Bund e sua proposta de separar o proletariado judeu do restante, assim como combateu o sionismo como saída para o povo judeu.
Por outro lado, desde 1903 – passando pela denúncia e luta contra os pogroms organizados pelo czar, como durante o caso do judeu Beilin, acusado de crime ritual na Rússia em 1911 – Trotsky clamava por uma luta pelos direitos básicos dos judeus e defendia que somente a luta revolucionária poderia libertar os judeus da opressão.
Durante as guerras civis balcânicas (1913), após realizar uma análise do regime da Romênia, chegou à conclusão de que era obrigação do partido do proletariado lutar para integrar em suas fileiras – e, de um ponto de vista político, de todos os elementos “cuja existência e desenvolvimento não se enquadram no regime existente”. Na Romênia havia uma comunidade judaica importante e muito perseguida pelo Estado monárquico. Para ele, a social-democracia era a única defensora dos direitos dos judeus, pois, devido às características de sua burguesia, os partidos existentes – conservadores e liberais – nem sequer garantiriam a luta pela democracia na Romênia.
Baseava essa análise em sua visão da Revolução Russa e do papel da burguesia russa, incapaz de assumir as tarefas democrático-burguesas.
A III Internacional, em seus primeiros congressos, manteve a visão dos bolcheviques. Nas “Teses sobre a Questão Nacional e Colonial”, do II Congresso da Internacional Comunista (1920), cujo objetivo central era apoiar a luta pela libertação no mundo colonial e contra o imperialismo, já se fazia referência ao sionismo como um instrumento a serviço da dominação do imperialismo inglês sobre a população árabe local.
“6° (…) Como exemplo flagrante dos enganos praticados com a classe trabalhadora nos países submetidos pelos esforços combinados do imperialismo dos Aliados e da burguesia de determinada nação, podemos citar o caso dos sionistas na Palestina, país no qual, sob o pretexto de criar um Estado judaico onde os judeus são uma minoria insignificante, o sionismo entregou a população autóctone dos trabalhadores árabes à exploração da Inglaterra. Na conjuntura internacional presente, não há para as nações dependentes e fracas outra salvação senão a Federação das Repúblicas Soviéticas.” 4
Mais adiante, já com o stalinismo no poder na URSS e com Hitler na Alemanha, Trotsky denunciava a utilização, por parte do stalinismo, do antissemitismo contra a oposição, alertava sobre a possibilidade de um genocídio perpetrado por Hitler e clamava por combater o nazismo com todas as forças. Mas nem mesmo por isso ele mudava de posição em relação à questão do sionismo.
“O primeiro ponto que posso afirmar sobre a questão judaica é que ela não será resolvida no âmbito do capitalismo. Tampouco será solucionada pelo sionismo. Antes, eu acreditava que os judeus se assimilaríam às culturas e aos povos nos quais viviam – como ocorria na Alemanha e nos Estados Unidos –, e por isso meu prognóstico era lógico. Mas agora isso se mostra impossível de afirmar. A história recente nos deu algumas lições a esse respeito. O destino dos judeus é hoje um problema candente, sobretudo na Alemanha, onde aqueles judeus que haviam esquecido sua origem tiveram oportunidade de relembrá-la. (…) O desenvolvimento cultural exige concentração, pois isso facilita a difusão da cultura entre as massas amplas, por meio de uma imprensa forte, de um teatro, etc. Se isso é o que os judeus desejam, o socialismo não terá o direito de negá-lo. Quero enfatizar que não afirmo que os judeus devam, necessariamente, possuir um território, porque sob o socialismo os judeus, como todos os povos, poderão residir onde quiserem com plena liberdade e segurança. Somente a revolução proletária pode resolver a questão judaica em todas as suas ramificações. Por isso, as massas trabalhadoras judaicas devem trabalhar e lutar lado a lado com os operários de todos os países para alcançar esse fim.” 5
O stalinismo recua da posição marxista e trai a causa palestina
Desde a tomada do controle do partido, Stalin impôs ao PCUS uma linha oposta ao leninismo e à III Internacional. Por um lado, capitulava às burguesias nacionais, como na China; por outro, na URSS começava a perseguir as nacionalidades e retomar a opressão nacional de grande escala russa. Isso se refletiu fortemente na questão judaica e na política para o sionismo.
Na Palestina, o partido local sofreu um duplo desvio: nos anos 20 e 30, uma política semelhante à da China no período em que o Kuomintang era considerado revolucionário por Stalin e Chiang Kai-Shek, incorporado ao Comitê Executivo da III Internacional. No caso palestino, essa relação se dava com o mufti Haj Amin al-Husayni, dirigente da oligarquia local que contribuiria para levar a revolução dos anos 1936-1939 à derrota. Por outro lado, não denunciava o sionismo como um projeto de formar um Estado racista que excluiria os palestinos.
Na segunda metade dos anos 1940, a partir dos Pactos de Yalta e Potsdam, o partido palestino apoiou a divisão da Palestina em dois Estados.
Em 1947-1948, o stalinismo, empenhado em acordos com o “imperialismo democrático”, abandonou a visão de Lenin e da III Internacional sobre o sionismo e passou a influenciar o futuro Estado judeu a ser fundado.
Para justificar o apoio a Israel, chegou a aceitar a versão de que o sionismo seria “progressista” e até “socialista”, em oposição aos “feudalismos” árabes. Segundo relata o dirigente palestino Ghassan Kanafani, em 1946 o jornal oficial Izvestia, da União Soviética, “ousou comparar a luta dos judeus na Palestina com a luta dos bolcheviques antes de 1917”. 6
Trotsky defendia, desde 1903, os direitos básicos dos judeus e que somente a luta revolucionária os libertaria da opressão. Durante as guerras civis balcânicas (1913), depois de analisar o regime da Romênia, concluiu que era obrigação do partido do proletariado lutar para integrar, em suas fileiras – tanto política quanto praticamente – todos os elementos “cuja existência e desenvolvimento não se enquadram no regime vigente”. Na Romênia, havia uma comunidade judaica importante e severamente perseguida pelo Estado monárquico. Para ele, a social-democracia era a única defensora dos direitos dos judeus, pois os partidos existentes – conservadores e liberais – não garantiriam sequer a luta pela democracia naquele país.
Esse mesmo stalinismo havia usado, de forma cínica, os preconceitos antissemitas para perseguir a oposição de esquerda dentro da URSS. Como Trotsky citou em sua entrevista de 1937 ao jornal Forward, havia muitos líderes da Oposição de origem judaica; Stalin insinuava que sua suposta “origem estrangeira”, por serem judeus, qualificava-os como inimigos da União Soviética. Após a Segunda Guerra, o stalinismo continuou a usar o preconceito antissemita para perseguir seus adversários. 7
A política dos partidos comunistas ajudou a angariar apoio para o projeto sionista no movimento operário e entre a intelectualidade mundial. Por outro lado, colocou o partido palestino ao lado dos colonizadores, o que impossibilitou sua recuperação na comunidade palestina. Assim, os stalinistas posicionaram-se de forma conciliadora com os sionistas nas comunidades judaicas, sempre defendendo o “direito de Israel de existir como Estado judaico”. O partido havia conquistado prestígio nessas comunidades judaicas devido à luta contra o nazifascismo – com a derrota de Hitler na Rússia, a ação das tropas russas e das resistências, onde os comunistas tiveram papel decisivo na derrota final.
A social-democracia patrocina o sionismo ‘socialista’
A social-democracia sempre apoiou o projeto sionista, e o Partido Trabalhista – que foi o principal partido desde a fundação de Israel até os anos 70 – é e continua afiliado à Internacional Socialista (a organização internacional da social-democracia), ajudando assim a dar um viés “socialista” aos primeiros dirigentes de Israel, responsáveis pela limpeza étnica praticada desde sua fundação. Ben Gurion, dirigente dessa operação e primeiro-ministro de Israel por quinze anos, era um membro destacado da social-democracia. Nesse aspecto, a social-democracia mostrava coerência ao apoiar os empreendimentos coloniais das potências imperialistas na Ásia e na África, durante a Primeira Guerra Mundial, e posteriormente, após a Segunda Guerra, quando, entre outros casos, o governo francês reprimiu a luta da Argélia pela independência, nos anos 50.
O trotskismo manteve a defesa da posição revolucionária para a Palestina
Somente a IV Internacional seguiu a tradição revolucionária da III Internacional. A IV Internacional foi a única organização de esquerda efetivamente antisionista na época da Nakba, e em 1948 manteve-se firme contra a divisão.
“Abaixo a partição da Palestina! Por uma Palestina árabe, unida e independente, com plenos direitos de minoria nacional para a comunidade judaica! Abaixo a intervenção imperialista na Palestina! Fora do país todas as tropas estrangeiras, os ‘mediadores’ e ‘observadores’ das Nações Unidas! Pelo direito das massas árabes de dispor de si mesmas! Pela eleição de uma Assembleia Constituinte com sufrágio universal e secreto! Pela revolução agrária!” 8
Naquele momento, o grupo trotskista palestino, RCL (Liga Comunista Revolucionária), denunciava:
“O imperialismo norte-americano conquistou um agente direto – a burguesia sionista – que, por esse fato, tornou-se completamente dependente do capital norte-americano e da política dos EUA. Daqui por diante, o imperialismo norte-americano terá uma justificativa para intervir militarmente no Oriente Médio sempre que julgar conveniente… a consequência inevitável dessa guerra será a total dependência do sionismo em relação ao imperialismo norte-americano.” 9
A posição dos trotskistas estava em consonância com a posição da Terceira Internacional e já previam o que ocorreria caso o Estado de Israel se consolidasse.
Nossa corrente, desde a FLT [Fração Leninista Trotskista] dentro do Secretariado Unificado (SU) – com o SWP dos Estados Unidos – dos anos 1969 a 1976, a TB [Tendência Bolchevique] e a FB [Fração Bolchevique dentro do SU até 1979], até chegar à LIT-CI em 1982, é a linha de continuidade com essa posição dos revolucionários, da III Internacional.
Já em 1973, logo após a Guerra do Yom Kippur, tomou-se uma posição clara por meio de uma Revista da América dedicada ao tema: “Israel, História de uma Colonização”.
O jornal Avanzada Socialista, do PST argentino, publicou em 1973 um artigo que sintetizava a posição explicada na Revista da América e que marcava uma modificação em um aspecto: antes, e até a Nakba, ao mesmo tempo em que a IV Internacional denunciava e se opunha à divisão, reivindicava-se o respeito à autodeterminação de todos os povos presentes na Palestina. O artigo de 1973 esclarecia um aspecto muito importante: era necessário diferenciar claramente o caráter do nacionalismo do opressor (o sionismo) do nacionalismo do oprimido (os palestinos), pois, nesse caso, o projeto sionista dependia da opressão dos palestinos. Portanto, os judeus não teriam o direito de possuir um Estado próprio, como, por exemplo, os palestinos.
«A Autodeterminação é um direito dos oprimidos, não dos opressores»
No Avanzada Socialista nº 79 (10/10/73) dizíamos, a respeito do conflito no Oriente Médio:
“Aos companheiros judeus, pedimos que não caiam na demagogia racista e reacionária do Estado de Israel e do imperialismo, e que apoiem a justa guerra dos árabes contra um dos Estados mais reacionários que a história já conheceu: Israel.”
“Aos companheiros árabes, convidamos a apoiar os trabalhadores judeus na luta contra seus patrões e o imperialismo. Apoiamos o direito do povo judeu à autodeterminação e a ter seu próprio Estado no âmbito de uma Federação de Estados Socialistas do Oriente Médio.”
“Essa posição é, em termos aproximados, a que defendíamos no La Verdad 10 durante a “guerra dos seis dias” em 1967. A direção do nosso partido discutiu e revisou essa posição quanto ao direito dos judeus de ter um Estado próprio na Palestina. Entendemos que o mais correto é apoiar a criação, em todo o território – que hoje ocupa o Estado sionista – de um único Estado Palestino, laico, não racista e com amplos direitos democráticos para todos os seus habitantes. Estado laico significa que não estará baseado nem sustentará nenhuma religião “oficial”, nem islâmica nem cristã. Ao mesmo tempo, garantirá a cada um de seus habitantes total liberdade para praticar o culto que desejar ou para não ter religião, se assim preferirem.“
“Esse Estado Palestino laico eliminará os privilégios, as discriminações e as perseguições raciais que hoje existem no Estado sionista, garantindo a todos os cidadãos – sejam de origem árabe, judaica ou drusa – direitos democráticos iguais: liberdade para falar em sua língua nativa e para publicar sua imprensa e livros, não haver discriminação em empregos públicos ou privados, igualdade salarial, e o direito de eleger e ser eleito para cargos públicos ou sindicais, etc.“
“Alguns leitores poderão nos apresentar a seguinte objeção: ‘Estamos de acordo que é preciso acabar com Dayán, Golda Meir e companhia. Mas, por que defendemos a ideia de um único Estado palestino? Isso, evidentemente, garantiria a autodeterminação dos árabes, já que eles poderiam ser maioria nesse Estado Palestino. Mas isso não feriria o direito à autodeterminação dos judeus, a quem não devemos colocar na mesma categoria que Dayán e seu grupo?’
A resposta é muito simples: os marxistas revolucionários defendem o direito à autodeterminação dos oprimidos, não dos opressores.“
“O direito à autodeterminação é um problema concreto; não se resume a uma simples questão aritmética de maioria ou minoria. Defendemos o direito à autodeterminação da minoria nacionalista “católica” no Ulster contra a maioria “protestante” inglesa, porque a primeira é oprimida pela segunda. Pela mesma razão, apoiamos a maioria negra da Rodésia, da África do Sul e das colônias portuguesas, contra a minoria branca que os escraviza de maneira brutal. O que proporíamos, por exemplo, para a África do Sul? A autodeterminação dos negros… e também a dos brancos que lhes negam até mesmo a condição de seres humanos?“
“O caso de Israel é similar ao da Rodésia, ao da África do Sul ou ao da Argélia antes da revolução. Assim como nesses casos o imperialismo “importou” uma minoria colonizadora, que despojou milhões de palestinos de suas terras e de seus direitos nacionais e humanos. Assim como na África do Sul, onde os negros são confinados como gado em “reservas indígenas”, milhões de palestinos vivem na miséria dos “acampamentos de refugiados” no Líbano, Síria e Jordânia.
Além disso, são vítimas de massacres perpetrados pelos sionistas ou por seus cúmplices árabes – os governos reacionários do Líbano e da Jordânia. Os palestinos que ficaram em Israel são submetidos a um regime de terror nazista. (…)”
“Então, quem são os opressores e quem são os oprimidos? Quem tem direito à autodeterminação? A questão é simples e concreta. O primeiro e imediato passo é restituir aos oprimidos suas terras e seus direitos nacionais e democráticos. Ao mesmo tempo, é preciso garantir a todos os judeus que desejem viver em paz e fraternidade com os árabes – e que não queiram ser carne de canhão de Dayán e do imperialismo norte-americano – a completa igualdade de direitos democráticos como cidadãos de uma Palestina laica e não racista.” 11
A LIT manteve esse programa de 1973 e o reafirmou nos anos 2000, na revista Marxismo Vivo nº 3 de 2001 e por meio de uma série de publicações, como o Correio Internacional, frente às permanentes agressões de Israel e à resistência contra suas invasões, como no Líbano, à resistência heroica palestina por meio das Intifadas e ao novo processo que começou em 2011 em toda a região.
No entanto, isso não ocorreu em muitas correntes que se autodenominam trotskistas. Na verdade, houve, nessas correntes, um retrocesso em relação às posições da Terceira e da Quarta Internacionais, pressionadas na prática pela adaptação da esquerda às posições sionistas.
O Secretariado Unificado, nos anos 90, passou a aceitar a imposição dos “dois Estados” e a sugerir uma saída que depositava esperanças em uma intervenção da ONU (a mesma que respaldou a divisão e permitiu a imposição da Nakba), com tropas de paz. Seu grupo na Palestina, como mostram os artigos do dirigente Michel Warshawski, passou a defender os “dois Estados” e uma negociação “não sob o ditame israelense-americano”, mas sob os auspícios da ONU, alegando ser a única forma de pôr fim aos massacres dos palestinos e à guerra.
Por sua vez, as correntes oriundas do tronco do dirigente britânico Ted Grant (TMI e CIO) tratavam tanto judeus quanto palestinos como nacionalidades oprimidas. Com uma posição semelhante à defendida para a Irlanda – onde se diferenciava os trabalhadores ingleses (“protestantes”) dos irlandeses (“católicos”) – passaram a defender um Israel socialista ao lado de um Estado Palestino socialista, aceitando, assim, a divisão de 1947 e abandonando, com isso, a luta pelo direito de retorno dos palestinos expulsos em 1948. As ações de Israel demonstram, a cada dia, que a solução dos dois Estados significa aceitar a continuidade do roubo de terras e do racismo.
Ainda hoje, após uma série de ativistas de esquerda e de direitos humanos terem passado a defender um único Estado com direitos iguais para todos, esses grupos continuam a defender “dois Estados socialistas com plenos direitos para as minorias que vivem dentro deles”. 12
Hoje, há 70 anos da fundação de Israel, o programa para a revolução continua a se apoiar nas concepções da III e da IV Internacionais. E hoje isso se materializa na bandeira: “Pelo fim do Estado racista de Israel”, “Por uma nova Intifada que tenha no centro os trabalhadores e lute por um Estado único, laico, democrático e não racista em todo o território da Palestina”.
Não é uma tarefa fácil, mas pode ser alcançada com a luta dos trabalhadores. O caminho passa pela revolução palestina e por uma luta internacional, para a qual é fundamental a participação dos demais trabalhadores árabes, contando com a ação solidária dos trabalhadores e dos povos em todo o mundo, especialmente nos países imperialistas.
Notas:
- Partido Social-Democrata Russo. ↩︎
- Refere-se à desunião do partido. ↩︎
- Citado do texto de Lenin, “A posição do Bund no partido”, da seleção de textos On the Jewish Question, organizada por Hyman Lumer, International Publishers, 1974, pp. 50-51. ↩︎
- Teses da III Internacional sobre a questão nacional. ↩︎
- Extraído da entrevista a Trotsky pelo jornal judeu Forward, 12 de janeiro de 1937. ↩︎
- KANAFANI, Ghassan. La revuelta de 1936-1939 en Palestina, p. 23. ↩︎
- No pós-guerra, e valendo-se do clima da Guerra Fria, a onda de perseguições da burocracia aos dissidentes formou o pano de fundo quando Stalin lançou uma campanha antissemita em 1948-1953, destinada a eliminar os “cosmopolitas sem raízes”. Houve um episódio em que toda a equipe médica que cuidava do próprio Stalin foi acusada e julgada como traidora. Segundo a versão oficial do regime stalinista, tratava-se de uma conspiração dos médicos judeus, sob as ordens da inteligência estadunidense, com o objetivo de assassinar os principais quadros do Partido Comunista da União Soviética, incluindo o próprio Stalin. Os partidos comunistas do Leste europeu usaram o preconceito antissemita contra dissidentes – como no caso de Slansky na Tchecoslováquia – e contra militantes das revoluções políticas, como na Polônia. ↩︎
- Manifesto da IV Internacional. ↩︎
- Extraído de “Israel, Historia de una colonización”, Revista de América, 1973. ↩︎
- Refere-se ao periódico anterior da corrente morenista, época em que era o órgão do PRT-La Verdad. ↩︎
- Avanzada Socialista nº 81, 24 de outubro a 4 de novembro de 1973. ↩︎
- Declaração “70 años de la fundación de Israel”, disponível no site do CWI. ↩︎