Gaza e eleições confirmam a natureza racista e genocida de Israel
Fica cada vez mais difícil negar o verdadeiro caráter do Estado de Israel. Depois do massacre na Faixa de Gaza em dezembro de 2008 e as recentes eleições que deram a vitória às forças mais direitistas, já não resta muita dúvida de que esse é um Estado a serviço do imperialismo no Oriente Médio, construído

Fica cada vez mais difícil negar o verdadeiro caráter do Estado de Israel. Depois do massacre na Faixa de Gaza em dezembro de 2008 e as recentes eleições que deram a vitória às forças mais direitistas, já não resta muita dúvida de que esse é um Estado a serviço do imperialismo no Oriente Médio, construído e assentado sobre a força das armas e do apartheid. Os que advogam um caráter democrático para Israel, ou mesmo um caráter “socialista” e os que usam termos como “lar” e “terra santa” para referir-se a esse Estado, têm a obrigação de explicar os atos cometidos pelos sucessivos governos israelenses.
Por: José Welmowicki
O mundo terminou o ano de 2008 vendo pela TV imagens de crianças mutiladas, ruas cobertas de sangue, famílias destruídas, casas e prédios transformados em escombros em Gaza. Em dezembro, durante 22 dias, as forças armadas sionistas, com aviões despejando bombas de alto poder destrutivo e lançando mísseis de artilharia, além do emprego de armas proibidas pelas convenções de Genebra, como as bombas com fósforo branco, arrasaram a Faixa de Gaza. Contaram-se 1285 habitantes mortos. Desses, 111 eram mulheres e 280 crianças. Assassinaram pessoas que apenas andavam pela rua e usaram civis como escudos humanos de suas tropas. Bombardearam ambulâncias, escolas, hospitais, mesquitas, e prédios da ONU. Não são imagens inéditas. Já perdemos a conta de quantas vezes vimos esse filme onde os protagonistas são os soldados israelenses e as vítimas as populações palestinas, quase sempre desarmadas e indefesas.
A intenção do governo sionista da época, Olmert/Livni/Barak, foi derrotar a resistência palestina. Mas foi o que menos conseguiram. O que esse novo massacre, agora em Gaza, conseguiu, foi deixar o mundo indignado e estarrecido diante de tamanha brutalidade, selvageria e sangue frio com que Israel comete os seus crimes. Mas a barbárie israelense não foi suficiente para derrotar o povo palestino, que luta por sua terra. Enganam-se aqueles que pensam que esse genocídio foi fruto de uma conjuntura adversa de medo ao terror por parte de um governo específico, mais à direita, como o Kadima, que teria usado o “perigo dos mísseis de Gaza” para demonizar os palestinos. E que, ao perceber a verdadeira realidade, o israelense médio iria reagir e votar em setores mais dispostos à negociação. Na verdade, havia uma pressão “popular” para ir mais fundo na eliminação do “perigo” representado por Gaza. Tanto que a invasão teve amplo apoio popular em Israel, e a falta de reação aos massacres, aliado ao crescente ódio aos palestinos refletiram-se nas eleições e deixaram claro que existe um acordo geral entre os judeus israelenses, com exceção de poucos indivíduos ou grupos, de livrar-se dos palestinos, expulsando-os ou eliminando-os. A situação interna é tão contrária a qualquer convivência pacífica com seus vizinhos e com os palestinos, que quem se expressa contra a limpeza étnica é ameaçado de punição ou eliminação, o que faz com que alguns deles tenham preferido viver no autoexílio, como o professor Ilan Pappé, autor do livro A limpeza étnica da Palestina. 1
As eleições como expressão desse sentimento
Isso ficou expresso nas recentes eleições. Elas representaram um duro golpe à ideologia dos “dois Estados”. 2 Ao invés de alguma força moderada que pudesse salvar as propostas de “paz” e dos dois Estados, o resultado das urnas mostrou a dimensão da adesão da população israelense ao racismo e o desprezo aos palestinos. Os vencedores da eleição são uma variante de correntes de ultradireita, algumas abertamente fascistas e racistas. Tanto que Uri Avneri, veterano pacifista israelense defensor da tese dos dois Estados e fiel à solução pacífica por dentro do sionismo, pergunta se não está na hora de encarar a realidade de uma irrupção do fascismo em Israel:
“O Estado de Israel aproxima-se de uma crise existencial-moral, política, econômica que o converteria em uma nação em perigo? É possível que Lieberman, ou alguém que tome seu lugar, seja uma personalidade demoníaca como Hitler ou Mussolini? Em nossa situação atual, há alguns indícios perigosos. A última guerra mostrou uma decadência maior de nossos padrões morais. O ódio à minoria árabe de Israel aumenta, bem como o ódio ao povo palestino ocupado, que sofre um lento estrangulamento.” 3
Embora Avneri encerre o artigo com otimismo, revela a real situação em Israel ao ser obrigado a colocar-se essa pergunta. A composição atual do governo israelense mostra que sua preocupação é justa. Publicamos abaixo um quadro, baseado no jornal israelense Haaretz (17/2/09):

Fazem parte da coligação de governo os já descritos Likud (15 ministérios), Israel Beitenu (5), e Trabalhistas (5). Além deles, estão nela: o Shas, partido religioso de extrema-direita, que detém o Ministério do Interior, o Judaísmo Unido da Torá e o Lar Judaico (racistas ainda mais fanáticos que o Likud). Esses partidos têm em comum sua base nos colonos que vivem nos territórios da Cisjordânia, a defesa da expansão contínua dos assentamentos judeus nessa região e a ‘’judaização’’ de Jerusalém.
Em última instância, o significado dessa eleição é que as ideias de Zev Jabotinsky, fundador do “sionismo revisionista”, estão totalmente em voga. Defensor declarado do fascismo nos anos 20 e 30, Jabotinsky defendia a necessidade de exercer uma estratégia de terror – a tal “muralha de ferro” – para impor a colonização aos palestinos:
“Não cabe pensar em uma reconciliação voluntária entre nós e os árabes, nem agora, nem em um futuro previsível. Todas as pessoas bem-intencionadas, salvo os cegos de nascimento, compreenderam há muito a completa impossibilidade de se chegar a um acordo voluntário com os árabes da Palestina para transformar a Palestina de país árabe em um país de maioria judia. (…) Portanto, a colonização somente pode desenvolver-se sob um escudo que inclua uma muralha de ferro que jamais possa ser penetrada pela população local. Essa é a nossa política árabe, formulá-la de qualquer outro modo seria hipocrisia.” 4
Nessas últimas eleições, o eleitorado escolheu um novo parlamento cujos membros em sua ampla maioria são fascistas, como o Likud, cujo dirigente, Aryeh Eldad, propôs que a Jordânia se “transformasse” num Estado palestino e que concedesse a cidadania jordaniana aos palestinos da Cisjordânia. A proposta imporia a soberania israelense em “toda a Palestina do Mandato”, do rio Jordão até o Mediterrâneo, e prepararia o terreno legal e psicológico para a deportação final de cerca de 5,1 milhões de palestinos de sua terra ancestral. Essa era exatamente a proposta discutida nos congressos sionistas antes de 1948 (vide Box).
Somando-se as diferentes coalizões, 80% dos eleitos representam a continuidade da proposta de Jabotinsky. O primeiro-ministro Netanyahu é um herdeiro direto de Jabotinsky e dos terroristas do Irgun e da gangue Stern, responsáveis diretos pelo massacre de Deir Yassin em 1948. Ele foi apadrinhado pelos líderes paramilitares Beguin e Shamir, que comandaram os massacres de mulheres e crianças palestinas em 1948 e formaram o partido Herut, que depois se tornou o Likud. Tanto Begin como Shamir foram primeiros-ministros pelo Likud. Netanyahu defende a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia e em torno de Jerusalém, iniciada pelos governos Sharon e Olmert, para dividir de vez os territórios palestinos e isolá-los uns dos outros.
No importante Ministério de Relações Exteriores está o partido Israel Beitenu (Israel Nossa Casa), dirigido por Avigdor Lieberman, que teve 15% dos votos e chegou a propor o lançamento de bombas nucleares sobre Gaza. Hoje propõe a transferência forçada dos árabes israelenses, os palestinos que vivem no território tomado em 1948 e a perda de qualquer direito aos que não reconhecem o “caráter judaico do Estado de Israel”. 5 O Beitenu descreve-se como “um partido nacional com a meta de seguir o corajoso caminho de Zev Jabotinsky”.
Para a mídia ocidental, essa direitização seria compensada pela entrada dos trabalhistas no governo. Ainda vistos como de “esquerda” ou “centro-esquerda”, os trabalhistas são os mesmos que comandaram o massacre de Gaza via Ehud Barak, novamente Ministro da Defesa. Vários parlamentares do partido Trabalhista no governo dirigido pelo Likud votaram a favor do envio da proposta de Eldad ao Knesset, citada acima, para discuti-la mais adiante. Após servir para disfarçar a natureza do Estado de Israel, dirigido por ele nos seus primeiros 40 anos, passados 60 anos de sua criação, o sionismo “de esquerda” é uma fraude tão descarada que não tem mais espaço para se postular aos olhos do mundo como alternativa negociadora e “pacifista”. Sua derrota patética e a perda até mesmo do 3º lugar para o Beitenu demonstram que, para o eleitorado israelense, se é necessário defender o caráter racista do Estado, é melhor escolher quem fala claro e quer ir ainda mais fundo na limpeza étnica.
Apesar de ter sido o partido mais bem votado, o Kadima não pôde formar o governo por não contar com uma coalizão suficiente. Esse partido foi criado por Sharon, o genocida de Sabra e Chatila, e Ehud Olmert. Sharon também foi membro do Likud e defensor das ide ias de Jabotinsky, Begin e Shamir, além de responsável direto pela unidade 101 do exército, que praticou o massacre de Kybia em 1953. O governo do Kadima, com Olmert e Tzipi Livni à frente, foi o responsável pelo bloqueio genocida de Gaza e pelo recente massacre.
Os partidos de base judaica que seriam mais “democráticos”, tidos pela imprensa ocidental como de centro-esquerda (Meretz, por exemplo) e que têm um discurso que fala de paz, não têm praticamente eleitores. Os únicos partidos que questionam até certo ponto o status racista têm sua base entre os árabes israelenses, cerca de 20% da população. São eles o Hadash, Balad e Lista Árabe Unida, cuja votação é concentrada nos eleitores árabes. Nesta eleição, esses partidos só foram autorizados a concorrer na última hora, devido a uma sentença da Corte Suprema. Por isso, quase a metade dos eleitores árabes israelenses não votaram. Agora, para demonstrar o caráter da “democracia israelense”, estão sob a ameaça da nova lei, que exige a aceitação do Estado de Israel como de uma “raça”, e a proibição de comemorar a Nakba.
Uma crise mais profunda
Netanyahu introduz uma mudança em relação ao governo de Olmert/Livni: um discurso direto contra qualquer tipo de Estado ou Autoridade palestina; ao contrário do que os EUA e a União Europeia gostariam, ele afirma abertamente que nem sequer se deve pensar em uma entidade palestina que leve o nome de “estado”. Seriam aceitáveis apenas “áreas econômicas” sem continuidade e estranguladas pela expansão dos assentamentos de colonos, do Muro da Vergonha e das estradas exclusivas a judeus construídas na Cisjordânia. Continua com a política de bloqueio a Gaza, que deve ser condenada a um cerco até que se renda ou seus habitantes saiam do território palestino. Netanyahu tenta diluir o problema para sair do isolamento, apontando suas baterias para o perigo do Irã e de sua política nuclear, como já faziam Olmert e Livni.
Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, essa posição não é a de um país em processo de fortalecimento. Israel vem sendo derrotado militar e politicamente. Tenta se contrapor a uma possível negociação de Obama com o Irã, que poderia dar mais peso à negociação e ameaçar sua hegemonia militar absoluta. A preocupação de Obama e dos governos imperialistas da Europa é que tal posição seja fatal para o próprio Israel, que este una os povos árabes cada vez mais contra si até sua situação ficar insustentável.
Por isso, Obama identificou esse como um dos problemas mais graves para o novo governo dos EUA. Afinal, ele tem que governar os EUA depois da derrota da política mundial de “guerra ao terror”, simbolizada pela débacle de Bush frente à resistência dos povos e frente ao crescimento do repúdio ao imperialismo norte-americano. Por isso, tem que apelar muito mais à retórica dos planos de paz, da solidariedade, falar em um novo “diálogo” entre os povos. Sobretudo no Oriente Médio. O resultado são os choques com o governo israelense, encabeçado por forças que não têm a mesma preocupação tática dos trabalhistas de outrora. Estes faziam toda uma encenação para aparecer como “pombas”, enquanto massacravam os palestinos, expandiam os assentamentos de colonos, torturavam e deixavam apodrecer os lutadores palestinos nas prisões. Obama quer convencer Netanyahu que, frente ao isolamento de Israel, seria melhor voltar à prática tradicional desses governos trabalhistas da década de 90 e mesmo do Kadima: falar em processo de paz e em Estado palestino, enquanto continuam a praticar o roubo das terras palestinas e a limpeza étnica. A posição de Netanyahu, aceitando um Estado palestino desde que não tenha qualquer instituição própria, renuncie a Jerusalém e ao direito de retorno dos refugiados, deixa até mesmo o colaboracionista Mahmoud Abbas balbuciando que a defesa de tal proposta é insustentável.
Obama sustenta Israel com uma face mais negociadora
Qual a lógica dessa mudança tática? A política para o Oriente Médio tem que ser modificada para garantir a supremacia imperialista. Trata-se de conseguir via negociação e chantagens, elogios e ameaças, o que a invasão militar não arrancou.
O discurso de Obama na Universidade do Cairo em junho foi a expressão dessa nova cara do imperialismo, preparado habilidosamente para criar esperanças na população árabe e muçulmana, aproveitando-se da nova imagem do presidente recém-empossado. Só que o limite para essa mudança está dado pelo vínculo entre EUA e Israel, que faz com que seu limite máximo seja a retomada da política dos dois estados, que levou aos acordos de Oslo. Tal política levou Arafat a trair a causa palestina e a criar no lado palestino um simulacro de governo completamente servil a Washington e ao sionismo, do qual seu sucessor, Mahmoud Abbas, é a expressão mais ultrajante.
Como disse Ali Abunimah, da Electronic Intifada, referindo-se ao discurso de Obama no Cairo, é como “Bush em pele de cordeiro”. Sem deixar nenhuma das apostas estratégicas do imperialismo, Obama precisa mostrar um rosto amigável, aproveitando sua origem étnica e as relações familiares que teve com a cultura muçulmana. Por isso, pressionou seus parceiros sionistas para que os trabalhistas encabeçados por Barak fizessem parte do governo com os fascistas do Likud para dar-lhe uma faceta mais “humana”. O convite de Netanyahu, com a pronta aceitação dos trabalhistas, foi patrocinado pelo novo governo dos EUA, ansioso para que os assassinos sionistas apresentem ao mundo uma cara mais palatável para melhor passar a proposta de impor aos árabes o reconhecimento de Israel.
Afinal, tanto Hillary Clinton, em visita a Israel, reafirmou o “leal compromisso” dos EUA com a segurança de Israel quanto Obama, dirigindo-se aos muçulmanos, enfatizou seu compromisso de “lealdade” aos sionistas. O novo governo norte-americano continua sustentando a todo custo o regime nazi de apartheid, que detém centenas de ogivas nucleares e um dos exércitos mais fortes do mundo, com a desculpa de que a segurança de sua população civil está ameaçada pelos foguetes caseiros de Gaza. Obama aconselhou os palestinos a agir pacificamente depois de comparar sua condição aos escravos negros. E então se dedicou a condenar os atentados palestinos contra os transportes e a lamentar-se pelas crianças israelenses feridas. Nem uma palavra sobre o massacre dos palestinos por Israel em Gaza. Disse que vai trabalhar com qualquer governo que o povo de Israel escolher, ou seja, mesmo com esses nazistas declarados, que propõem e votam leis racistas e até a expulsão dos palestinos, mas impõe como condições para conversar com o governo eleito pelos palestinos, encabeçado pelo Hamas, o “reconhecimento de Israel”.
Aí está o núcleo central da política de Obama para a Palestina: aconselha o povo palestino a desistir da resistência armada, reconhecendo Israel, resignar-se a conviver com o estado racista, o que significa o mesmo que abandonar a luta por seu direito à autodeterminação, como já fizeram a Al Fatah e os que apóiam a Autoridade Nacional Palestina de Abbas. E essa política pode ter impacto: segundo o jornal The Independent, o primeiro-ministro e dirigente do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, declarou, após se entrevistar com o ex-presidente Jimmy Carter, que aceitaria um Estado palestino baseado em suas fronteiras de 1976 e que o movimento havia “escutado atentamente” Obama no Cairo, cujo discurso reconhecia o apoio do Hamas pelos palestinos, mas também a necessidade de assumir responsabilidades. “Encontramos una nova língua, uma nova linguagem, um novo espírito”, teria declarado Haniyeh.
O discurso de Obama mantém a estratégia de defender Israel e seu “direito à segurança”, o que significa colonizar e massacrar os palestinos, e limita-se a dar alguns conselhos a seu governo. Mas, mais que pelas palavras, devemos julgar um governo por seus atos. O governo Obama já mostrou a que veio, ao colocar em seu orçamento para 2010 a soma de US$ 2,775 bilhões em ajuda militar a Israel, que serão convertidos em mísseis, aviões ultramodernos e farta munição para manter a prática do terror de Estado contra os palestinos.]
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Sionismo significa terror aos palestinos desde suas origens
Quando os soldados sionistas apareceram na TV usando camisetas com inscrições que defendiam abertamente a morte de mulheres grávidas palestinas como forma de eliminar dois “possíveis terroristas” com um só tiro, a barbárie nazista imperante em Israel ficou estampada aos olhos do mundo e fez crescer a campanha de boicote a Israel.
O processo de perda da imagem de “única democracia do Oriente Médio” do Estado sionista já vinha desde as décadas de 1970-80. Até então, um ponto de inflexão e símbolo dessa perda de imagem havia sido o massacre de Sabra e Chatila no Líbano, em 1982, quando as milícias cristãs fascistas a serviço de Israel chacinaram os palestinos, sob o comando do então ministro da defesa, Ariel Sharon.
O massacre de Gaza fez esse desgaste dar um salto: eram comuns nos atos ao redor do mundo inteiro as bandeiras em que a estrela de David era substituída pela suástica nazista, expressando claramente a real herança política do Estado de Israel. Do mesmo modo, cartazes e discursos comparavam Gaza ao Gueto de Varsóvia, e denunciavam como a ofensiva sionista fazia dos habitantes de Gaza as vítimas de um novo e mais prolongado Holocausto. O crescimento da campanha pelo boicote a Israel (BDS) é uma expressão clara desse salto. Um exemplo desse repúdio foi o protesto contra o jogo entre Israel e a Suécia pela Taça Davis de tênis logo depois da invasão a Gaza. Mais de 7000 manifestantes marcharam da praça principal da cidade de Malmoe até o local onde se jogava aquela partida de tênis. Boicotes de portuários na Austrália e na África do Sul fizeram a força da ação operária ser sentida, na melhor tradição dos boicotes ao regime do apartheid sul-africano.
As pesquisas históricas e biografias publicadas mostram que a decisão de expulsar os palestinos e realizar uma limpeza étnica, a Nakba, 6 para criar Israel, foi do primeiro governo do trabalhista Ben Gurion em 1948. Havia naquele momento um grande acordo e uma diferença tática com uma parte das correntes mais fascistas, origem dos atuais Likud e Kadima. Toda a região entre o Mediterrâneo e o Jordão deveria ser usurpada pela expulsão dos árabes para a criação de um estado exclusivamente judeu, batizado de Eretz Israel (Terra de Israel). A diferença era que o Poale Zion, partido de Ben Gurion na época, depois Mapai, aceitava a partilha da ONU com o argumento de que, uma vez instalados, tornariam a vida dos palestinos um inferno, de tal forma que eles seriam obrigados a sair; enquanto os antecessores do Likud, os paramilitares do Irgun e Lehi, recusavam-se a aceitar a partilha e queriam tomar todo o território do mandato da Palestina para o Estado judeu já em sua fundação.
Mas em relação ao objetivo final e aos métodos necessários havia um acordo, tanto assim que os massacres de palestinos marcaram a fundação de Israel, seja pela ação do Irgun e Lehi, como em Deir Yassin, como pela ação do Haganah, a organização militar sionista que deu origem ao exército israelense, em Al Dawayema em 1948 e mais tarde em Kybia, em 1953, entre outros. Ben Gurion dizia em 1936: ”um acordo abrangente está fora de questão. Apenas o desespero total da parte dos árabes pode fazer com que eles aceitem a criação de um Eretz Israel judeu”. 7
Essa mesma lógica de impor a expulsão da população palestina pela força do terror persiste e é essencial para a própria existência do Estado de Israel, cuja razão de ser é a limpeza étnica e o expansionismo. Por isso, continuam os assentamentos na região ocupada em 1967 pelas tropas sionistas, a ampliação da proibição de construir casas em regiões inteiras de Jerusalém pelos palestinos, o avanço na “judaização” da cidade e as propostas de transferência forçada da população árabe, tanto dos territórios de 48 como dos ocupados após 67. As últimas eleições são uma expressão cabal dessa política.
A jornalista Amira Hass, uma das vozes solitárias que defendem um tratamento humano aos palestinos, indignada com essa realidade, escreveu no jornal israelense Haaretz um artigo dirigido aos setores mais cultos da população israelense:
“O que ocorre com vocês, pesquisadores do nazismo, do Holocausto e dos gulags? Poderiam vocês estar a favor das leis discriminatórias sistemáticas? Leis que colocam de forma clara que os árabes da Galileia nem sequer serão compensados pelos danos de guerra com as mesmas quantias que seus vizinhos judeus terão direito? É possível que estejam a favor de uma lei que proíba um árabe israelense de viver com sua família em sua própria casa? Que estejam de acordo com mais expropriações de terras e com a demolição de mais hortas para instalação de novos assentamentos de colonos e para outra estrada exclusivamente para judeus? Que todos vocês respaldem os bombardeios e os lançamentos de mísseis que matam velhos e crianças na Faixa de Gaza? (…) como judeus, todos nós desfrutamos dos privilégios que Israel nos oferece, o que também nos converte em colaboracionistas.” 8
Só existe uma saída para que haja paz: o fim de tal anomalia, de um Estado em que o genocídio de outro povo que ali habitava seja considerado válido. Não há como sair da macabra sucessão de guerras e massacres, a não ser com a destruição do Estado de Israel. E para isso, a saída é a resistência palestina e das massas árabes. Não há como fazer reformas nem como construir “dois estados”, como querem os colaboracionistas da ANP e a maior parte da esquerda mundial. A realidade comprova a cada dia que tal solução é inviável e significa o prolongamento da agonia palestina.
Notas:
- Pappé recebeu ameaças de morte, obrigando-o a renunciar ao cargo de catedrático de ciência política na Universidade de Haifa e deixar o país. ↩︎
- A criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel e uma paz baseada em uma reforma interna em Israel, tornando-o mais favorável à convivência com os palestinos. ↩︎
- www.rebelion.org, abril de 2009. ↩︎
- Citado em Brenner, The iron wall, 1984 ↩︎
- Nota publicada em Gara, 28/5/09: “A Knesset (Parlamento israelense) aprovou ontem em primeira leitura uma proposição de lei que estabelece um ano de prisão para quem peça o fim de Israel como Estado judeu. O texto propõe ainda a toda declaração contra Israel como Estado judeu que «possa levar a atos de ódio, desprezo, ou falta de lealdade em relação ao Estado, suas autoridades governamentais ou sistemas legais». (…) Esta votação ocorreu apenas quatro dias após a aprovação, pelo Governo israelense, de outra proposta destinada a castigar com até três anos de prisão aqueles que participarem de atos comemorativos da Nakba, a catástrofe que para os palestinos supôs a criação do Estado de Israel em 1948”. Uma das formas mais importantes com que os palestinos residentes no território de 1948 contestam o que significa o racismo é justamente a comemoração da Nakba, que vem tendo manifestações cada vez mais importantes nesses últimos anos. ↩︎
- Nakba significa catásfrofe. ↩︎
- Citado em Shlaim, Avi, The Iron Wall, Israel and the Arab world, p.18-19 ↩︎
- www.rebelion.org, 25/5/09. ↩︎
Publicado em agosto de 2009 na revista Marxismo Vivo N. 21