O discurso da cidadania e a independência de classe

O discurso da cidadania assumiu um gran­de alcance nos últimos vinte anos. Vem sendo empregado, com diversas conotações e para os mais diversos fins, por um amplo espectro de forças e correntes politicas. Surge como bandei­ra nos discursos de alguns dos setores mais reacionários da burguesia, de facções ditas “pro­gressistas” da classe média, sindicatos e

O discurso da cidadania assumiu um gran­de alcance nos últimos vinte anos. Vem sendo empregado, com diversas conotações e para os mais diversos fins, por um amplo espectro de forças e correntes politicas. Surge como bandei­ra nos discursos de alguns dos setores mais reacionários da burguesia, de facções ditas “pro­gressistas” da classe média, sindicatos e corren­tes da classe trabalhadora e até mesmo partidos e movimentos que se reivindicam de esquerda.

Por José Welmowicki

Na Europa, é uma estratégia que caracteri­za o discurso de toda a esquerda, principalmen­te a social-democracia. E o discurso da maioria dos atuais governos europeus. No último con­gresso da Internacional Socialista, seu presiden­te então eleito, o português António Guterres ressaltou “a importância da iniciativa dos cidadãos no marco de uma sociedade solidária”, e disse que o programa aprovado no congresso “responde sem complexos de forma a valorizar a cidadania”. Segundo o presidente da Internacio­nal Socialista, o novo programa ideológico da organização “converte a pessoa no centro das preocupações de nossos países e governos”. 1 

Na Espanha, o discurso da cidadania assumiu uma tal Importância que inspirou inclusive o nome da recente chapa para as eleições europeias da Esquerda Unida: “Europa dos Cidadãos”.

Os movimentos ditos alternativos, como os verdes alemães, e aquele liderado pelo ex-líder estudantil Daniel Cohn-Bendit na França, usam e abusam da expressão: ”A Europa se tornaria o espaço coletivo no qual os cidadãos partilha­riam os mesmos riscos“. “É neste sentido que falamos da ‘sociedade de risco’, que é uma forma de compromisso cidadão que apela à consciência crítica de cada um de nós para evi­tar ver a razão de mercado dominar todo modo de vida“.2

Até mesmo em agrupamentos considerados de extrema-esquerda, como o Bloco de Esquer­da, em Portugal, a noção de cidadania impreg­na os discursos. O programa eleitoral do Bloco foi elaborado com base na interpretação da so­ciedade como composta de cidadãos e não de classes sociais3. Importantes dirigentes de cor­rentes que reivindicam o marxismo revolucionário, como Catherine Samary e Jaime Pastor, ligados ao Secretariado Unificado da IV Inter­nacional, propõem uma “estratégia socialista re­novada”, baseada na colaboracão de movimen­tos de cidadãos de distintas origens (ecologis­tas, desempregados, feministas, etc.) que confor­mem redes europeias e internacionais 4.

Na America Latina, a estratégia da cidada­nia também influencia diretamente a política de sindicatos, movimentos sociais e distintas cor­rentes politicas de esquerda, entre elas, o PT brasileiro, o EZLN de Chiapas e a FMLN de El Salvador.

Mas o que é cidadania, segundo esse discurso politico? Seria a conquista dos di­reitos civis e sociais mínimos por parte dos cidadãos. Ao mesmo tempo, a concepção da ci­dadania implica que os cidadãos, além de di­reitos, têm deveres. A cidadania exige um com­promisso dos cidadãos com as leis vigentes, como a contrapartida da inclusão desses direitos na ordem legal. Exige, em nome da defesa da extensão desses direitos aos excluídos, uma defesa da ordem na qual se quer garantir a inclusão desses cidadãos.

A sociedade teria de se comprometer em garantir a cidadania para a maioria dos seus habitantes e caberia aos movimentos sociais a luta para que ela fosse plena. As sociedades que mais se aproximariam do paradigma da cidadania plena seriam os países capitalistas avançados e alguns teóri­cos, como o alemão Jiiergen Habermas, propõem como meta estratégica a extensão do estado social a toda a União Europeia para que este sirva de exemplo ao mundo inteiro 5

Mas, como chegar ao estágio de cidadania plena? Pela colaboração, negociação e diálogo entre os distintos setores sociais, e a promoção de políticas públicas tendentes a reduzir a desigualdade social. A palavra mágica é a parceria. Nos países dependentes, caberia aos movimentos sociais lu­tar pela conquista de seus direitos de cidadão, tomando como referência a democracia e a cidadania dita plena dos países capitalistas centrais. Para entender o alcance dessa teoria-programa, devemos entender a gênese e a evolução histórica da noção de cidadania.

A origem do conceito político de cidadania 

Na Grécia antiga, a cidadania tinha o significado de pertinência a polis. Aristóteles explica a formulação de cidadão presente na Constituição de Atenas, que formaliza a definição para a sociedade grega da época: o direi­to ou prerrogativa de participar das práticas deliberativas ou judiciárias da comunidade a que pertence. Ao mesmo tempo, nem todos tinham esse direito. A outorga da cidadania dependia de um exame seletivo, já que havia uma separação clara entre cidadãos e não-cidadãos (escravos e/ou estran­geiros): 

O estado atual do regime apresenta a seguinte conformação: participam da cidadania os  nascidos de pai e mae cidadãos, sendo inscritos entre os démotas 6 aos dezoito anos. Quando da inscrição, os démotas votam sob juramento a seu respeito: primeiro, se eles aparentam ter a idade legal (caso não aparentem, retornam à condição de meninos); segundo, se é homem, livre e de nascimento conforme as leis e, caso o rejeitem por não se tratar de homem livre, ele pode apelar para o tribunal, ao passo que os démotas encarregam da acusação cinco de seus membros; se for considerado que a inscrição é indevida, o Estado vende-o, mas se ele ganhar, os démotas ficam obrigados a inscrevê-lo.7

Em alguns momentos na história de Atenas houve maior ou menor ampliação da condição de cidadania, por exemplo, estendendo-a a determinado número de estrangeiros. Eventualmente, alguns ex-escravos podiam obter a cidadania, mas, em geral, tanto os estrangeiros quanto os escravos não eram considerados cidadãos. Assim, a famosa “democracia” grega exis­tia de fato, mas apenas para uma parte da população. 

A cidadania foi uma grande conquista para os gregos livres, mas às custas de uma enorme população escrava que lhes dava condição estrutural de subsistência. Mais ainda, nas repúblicas gregas em geral, a condição de cidadania era, praticamente, derivada da condição econômico-social de não-escravo. Havia diferenças sociais entre os ho­mens livres considerados cidadãos, muitas vezes tão grandes que causavam lutas sociais intensas.

Mas as tensões existentes em uma socieda­de onde a maioria era escrava e a cidadania era privilégio de uma minoria estavam abertamente ligadas à questão da liberdade. O homem livre economicamente era também o homem livre politicamente. A principal separação econômico-social entre homens livres e escravos era clara e diretamente refletida na definição da condição de cidadania política, e não oculta, como mais tarde iria se manifestar com o advento do capitalismo, onde essa separação seria distinta no ‘homo economicus‘ e no homem político.

Esse movimento esporádico de extensão do direito de cidadania não alterava o critério básico de definição da figura do cidadão, nem seu aspecto seletivo. Mas sempre as instituições democráticas incluíam os cidadãos e excluíam os demais habitantes da república. Apoiada no modo de produção escravista, essa sociedade, quando faz discriminações entre homens livres e escravos, e levanta a possibilidade de alguns serem vendidos e outros não, de fato exclui da cidadania a maioria de seus habitantes.

O historiador inglês Perry Anderson, basea­do em diversas pesquisas sabre o tema, afirma que o número de escravos giraria em torno de 80 a 100 mil, contra cerca de 45 mil homens livres em Atenas no período de Péricles, no século V a. C. Ele cita o comentário de Aristóteles a respeito: “os estados estão obrigados a ter inúmeros escravos8 e como Xenofonte elaborara um pla­no para restaurar a riqueza de Atenas baseado em que “o Estado tivesse escravos públicos na proporção de um para cada cidadão ateniense”, Aristóteles resu­miu a divisão social de forma clara: “O estado perfeito jamais admitiria o trabalhador manual entre os cidadãos, porque a maioria deles são hoje escravos ou estrangeiros”. 9

O trabalhador manual – quem de fato ga­rantia o sustento da sociedade inteira – estava excluído da cidadania. O trabalho não dava di­reito a ela. 

O conceito de cidadania para os primeiros teóricos do liberalismo 

Já os teóricos da burguesia inglesa, aquela que primeiro ascendeu ao poder, formulavam com muita clareza seus conceitos de liberdade e de indivíduo, cuja finalidade era desenhar os alicerces da nova sociedade em construção. O médico e filósofo inglês do seculo XVII, John Locke, foi quem primeiro teorizou as mudanças introduzidas pela Revolução Gloriosa de 1688, 10 e transformou-as em um sistema de doutrina política coerente, um liberalismo político adequa­do aos interesses da burguesia ascendente. A base de sua teoria era o primado do indivíduo, do qual derivou sua visão do individualismo liberal; para justificá-la, identificava como direito natural o di­reito a propriedade:

O homem, nascendo, conforme provamos, com di­reito à perfeita liberdade e gozo incontrolado de todos os direitos e privilégios da lei da natureza, por igual a qual­quer outro homem ou grupo de homens do mundo, tem por natureza o poder não só de preservar a sua proprie­dade – isto é, a vida, a liberdade e os bens(…) O grande e principal objetivo, portanto, da união dos ho­mens em comunidades, colocando-se eles sob governo, é a preservação da propriedade. Para este fim, faltam mui­tas condições no estado de natureza. Primeiro, falta uma lei estabelecida firmada, conhecida, recebida e aceita me­diante consentimento comum, como padrão do justo e injusto e medida comum para resolver quaisquer controvérsias entre os homens.11

Para Locke, a liberdade só merece esse nome quando garante o direito à propriedade. É a prin­cipal finalidade das leis que mudam o estado do homem do “estado de natureza” primitivo para livre e uma sociedade que o preserve enquan­to proprietário. 12

Essa concepção, que tinha na sua raiz a luta contra os privilégios feudais e a defesa da pro­priedade burguesa contra os ataques arbitrários dos reis e da nobreza, também delimitava os parâmetros de cidadania para a nova sociedade: se liberdade é, em última instância, o direito à propriedade, os homens livres são aqueles que detêm a propriedade. Daí é fácil deduzir a origem da concepção do voto censitário, o direito ao voto somente àqueles que têm um determinado rendimento ou propriedade. Essa concepção é a de uma sociedade baseada na preservação da propriedade privada e na presença de uma instância política de deliberação formada apenas por indivíduos (ou cidadãos) que têm acesso à determinada forma de proprie­dade ou riqueza (a própria burguesia). Ela marcará toda a fase de ascensão da burguesia. 13

O primeiro grande teórico do liberalismo econômico, Adam Smith, em A Riqueza das Nações, já defendia os pressupostos necessários para o livre desenvolvimento do capitalismo. Se o pressuposto fundamental era a superexploração dos trabalhadores, uma das condições mais importantes para que isso pudesse ser feito era impedir qualquer organização da clas­se operária. Cabia a cada cidadão como indivíduo buscar sua melhor recompensa no mercado:

As pessoas da mesma profissão raramente se reúnem, mesmo que seja para mo­mentos alegres e divertidos, mas as conversações terminam em uma conspiração contra o público, ou em algum incitamento para aumentar os preços. Efetivamente, é impossível evitar tais reuniões, por meio de leis que possam ser cumpridas e se coadunem com o espírito de liberdade e justiça. Todavia, embora a lei não possa impedir as pessoas da mesma ocupação de se reunirem às vezes, nada se deve fazer no sentido de facilitar tais reuniões e muito menos torná-las necessárias. (…) O que torna tais reuniões necessárias é um regulamento que possibilita aos membros de uma mesma profissão a se imporem taxas, para cuidar do sustento de seus pobres, seus doentes, órfãos e viúvas, inspirando em todos um interesse comum.14

Para Adam Smith, a associação de classe é nefasta, pois é contrária à liberdade individual, cria obstáculos para a iniciativa privada e impede a livre concorrência. Ele era categoricamente contra qualquer associação da classe operária, pois, segundo sua concepção, isso aumentaria ‘artificial­mente’ o poder dos trabalhadores para exigirem melhores salários. Mas Smith reconhecia que os patrões faziam esse tipo de reuniões (proibidas para os operários) para tramar a redução dos salários de seus trabalhadores, ainda que de maneira oculta:

Muitas vezes, porém, os trabalhadores reagem a tais conluios com suas associações defensivas; por vezes, sem serem provocados, os trabalhadores combinam entre si elevar o preço de seu trabalho. Seus pretextos usuais são, às vezes, os altos preços dos manti­mentos; por vezes, reclamam contra os altos lucros que os patrões auferem do trabalho deles. No intuito de resolver com rapidez o impasse, os trabalhadores sempre têm o recurso ao mais ruidoso clamor, e, às vezes, à violência mais atroz.15

Assim, os direitos individuais, para os teóricos do liberalismo, deveri­am se restringir à liberdade de fazer contratos de trabalho de acordo com que dispusesse o mercado, onde os operários poderiam ‘livremente’ ven­der sua força de trabalho ao preço que o mercado estivesse disposto a pagar, sem nenhuma interferência estatal, nem normas corporativas como as que haviam vigorado nas cidades medievais. 16

Para prevenir qualquer “violência atroz” por parte dos trabalhadores, o Estado deveria tomar providências, como aconteceu na Inglaterra durante seculo XIX, com as leis contra a vadiagem e a perseguição aos ludistas e aos sindicatos. Essa liberdade era apenas aparente, pois as duas par­tes que estabeleciam o contrato não eram iguais entre si: uns eram proprietários e outros só dis­punham de sua força de trabalho. Como parte da visão liberal, deveria haver um sistema jurídico que legitimasse essa sociedade e fosse cum­prido obrigatoriamente por todos, primando a figura da ‘igualdade jurídica’, ou seja, “todos são iguais perante a lei”.

Essa deveria ser a base para impor as resoluções da burguesia aos setores ‘sem proprieda­de’, mas sob a aparência de uma decisão neutra, em benefício de todos. Esse tipo de contrato era a forma de obrigar os despossuídos a aceitar os termos dos exploradores. A outra cara dessa igualdade formal era a necessidade de impedir que interesses de determinados grupos ou clas­ses se sobrepusessem aos pretensos interesses da comunidade/sociedade. Daí a conclusão es­sencial para a concepção burguesa: se todos eram iguais perante a lei, era vedado o direito de ‘impor à sociedade’ aquilo que não estivesse previs­to em lei ou que fosse contrário ao decidido pe­los juízes. 

Cidadania e revolução burguesa

A cidadania foi uma ideia revolucioná­ria para a grande luta que varreu o feuda­lismo da face da Europa Ocidental en­tre os seculos XVII e XIX. Significa­ já o fim das distinções de “sangue” e títulos. Traduzia em uma pala­vra a ideia radical de acabar corn os privilégios da nobre­za e do clero durante a Ida­de Média. O filósofo Jean-Jacques Rousseau foi um dos oponentes mais radicais à manutenção dos privilégios e do Antigo Re­gime. Denunciava que os homens estavam divididos entre ‘cidadãos’ e ‘súditos’. Os súditos eram aqueles que, desprovidos de qualquer título ou não sendo de família nobre, estavam por definição, desde seu nascimento, condenados a obedecer, a servir seus superiores, os nobres e os reis, o que era injusto, segundo Rousseau. Isso contrariava o direito do homem à liberdade. 

Para ele, ao se promover a igualdade jurídica, todos deveriam se transformar em ‘cidadãos’. E nenhum homem deveria mais ser diferencia­do do outro por sua origem ou seus títulos.

Mas a burguesia, que se aproveitou dessa ideia em sua luta contra a nobreza e a monar­quia, resistentes à mudança, manteve apenas a dimensão ‘jurídica’ da igualdade. Uma das referências históricas mais importantes do conceito de cidadania está no lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. No entanto, no desenrolar dessa Revolução, a burguesia buscou li­mitar a distribuição do poder, da liberda­de e da riqueza. 

A primeira Constituição pós-revolução, a de 1791, aboliu efetivamente os títulos e os privilégios jurídicos da nobreza e o uso de brasões, além de liquidar as propriedades do clero. Essas mudanças dão a dimensão da revolução que destruiu a ordem feudal. Assegurou a igualdade formal de todos os cidadãos, e estes não podiam mais tomar outro nome que não o do chefe de família. Mas, na mesma Constituição, apareceram as limitações que a burguesia impunha à nova ordem devido a seus interesses de nova classe privilegiada: a divisão entre cidadãos ativos e passivos. Os primeiros tinham direito a votar e ser votados. Os segundos, de acordo com um critério de rendimentos, não poderiam fazê-lo. Assim, a pri­meira Constituição introduzia o voto, mas sob o critério censitário. To­dos eram juridicamente livres. Ninguém mais era servo de ninguém. Mas os ativos tinham direitos políticos e os passivos não, sempre conforme o critério de propriedade.

Apesar disso, foram feitas reformas profundas, entre elas, o fim da propriedade nobiliárquica e eclesiástica, o direito de expressão e opinião. Porém, elas eram apresentadas como a realização final da liberdade e da cidadania. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, enquanto colocava no papel uma série de preceitos democráticos que marcari­am uma nova época na história francesa e mundial, eternizava o “inviolável direito à propriedade”. 17 Os direitos do cidadão paravam no limite sagra­do do direito individual a propriedade. Apesar da abolição dos privilégios da nobreza e do clero, continuava a haver uma profunda desigualdade social, que partia do antagonismo em relação à propriedade dos meios de produção. Enquanto uma grande maioria não tinha a posse dos mesmos, uma minoria, a burguesia, não só detinha seu monopólio, coma utilizava a força de trabalho dos despossuídos para garantir a produção de mercadorias e extrair lucro.

Os trabalhadores e a cidadania 

A demonstração concreta da concepção burguesa de sociedade, ape­sar das declarações em prol da igualdade e da liberdade, foram as leis que buscavam impedir qualquer tipo de instituição que pudesse reduzir ou cercear a livre exploração do operário. Na Inglaterra, quando surgiram as Trade Unions (os primeiros sindicatos) e as greves, estes foram considera­dos uma ameaça à ordem, à liberdade e à cidadania, e punidos severamen­te com penas de prisão e repressão estatal. A burguesia percebeu que a força do movimento operário, desde o início de sua aparição na história, residia em sua ação coletiva ou, como a chamavam no seculo XIX, o direito de coligação ou coalizão, que se materializou na organização das Trade Unions

Em O Capital, Karl Marx narra coma a luta contra as Trade Unions, travada pela classe dominante inglesa no seculo XIX, foi permanente e determinada:

As leis cruéis contra as coligações dos trabalhadores faram abolidas em 1825, frente à atitude amearadora do proletariado. Mas apenas em parte (…). Finalmente, a lei de 29 de junho de 1871 pretendeu e!iminar os todos os vestígios dessa legislação de classe com o reconhecimento legal das Trade Unions. Mas numa lei do Parlamento, da mesma data, destinada a modi­ftcar a legislação criminal na parte relativa a violências, ameaças e ofensas, restabelece na realidade a situação anterior sob nova forma. Com essa escamoteação parlamentar, os meios que podem ser utilizados pelos trahalhadores em caso de greve ou lock-out foram subtraídos ao domínio do direito comum e colocados sob uma legislação penal de exce­çao, a ser interpretada pelos próprios fabricantes, em sua qualidade de juízes de paz.18 

Marx demonstrou como era fundamental para a burguesia deixar o trabalhador isolado e reduzi­do a um indivíduo obrigado a se defrontar com o capitalista como tal, sem a posse dos instrumentos de trabalho, enquanto o capitalista detinha o poder econômico e politico. A cidada­nia burguesa tinha de ser apenas a igual­dade formal entre os indivíduos, que se materializaria nos direitos civis e no direito de voto (após duras lutas, como as dos sans-culottes na França, e dos cartistas na Inglaterra). A burguesia também resistiu ao sufrágio universal antes e depois das revoluções burguesas. Só depois de 70 OU 80 anos, os operários do sexo masculino con­quistaram o sufrágio universal, que seria estendido às mulheres apenas no século XX.

Com a derrubada da nobreza, o indivíduo passava a ser proprietário de si próprio, o que correspondia, para a imensa mai­oria da população, a ausência de proprieda­de ou, ainda, a separação entre o trabalha­dor e os meios de produção.

Privado dos meios de produção, ao tra­balhador só restava um caminho: buscar seus direitos por meio da ação coletiva, a única esfera em que poderia se opor ao capitalista na disputa pelos frutos do traba­lho. Sua unidade para impor a ameaça da ausência da força de trabalho (a greve) e obrigar o capital a recuar, embora parci­almente, era sua única arma. Exatamente por isso, o capitalista opunha-se decididamente ao direito de coligação ou de coalizão, a possi­bilidade de associação operária que pudesse se con­trapor à força do capital. Contra essa possibilida­de, os capitalistas sempre impuseram leis contra a classe operária, justificadas em nome da liberdade individual.

Tão necessária era essa imposição para a classe burguesa, que Marx denunciou-a em seus escritos sobre a própria Revolução Francesa:

Logo no começo da tormenta revolucionária, a bur­guesia francesa teve a audácia de abolir o direito de associação dos trabalhadores, que acabara de ser conquistado. Com o decreto de 14 de junho de 1791, declarou toda coligação dos trabalhadores um atentado à liberdade e à declaração dos direitos do homem: a ser punido com a multa de 500 francos e a privação dos direitos de cidadania por um ano.19 

Marx refere-se à lei Le Chapelier, promulgada justamente após uma greve de operários de Paris de diversos setores profissionais, que reivindicavam a redução da jornada de trabalho e aumento salarial. Eles haviam fundado “sociedades fraternais” para defender-se da exploração e sustentar suas reivindicações, o que alarmou a burguesia. Cabe notar que essa lei era tão importan­te para os interesses estratégicos da burguesia que ela se manteve inalterada durante 70 anos. 20 Marx ressalta os pontos da lei em que estão colocados os interesses estratégicos da burguesia e como eles são uma continuidade de leis anteriores:

O artigo 1° dessa lei diz: “sendo uma das bases fundamentais da Constituição francesa a eliminação de todas as espécies de corporações da mesma classe e profissão, fica proibido restabelecê-las sob qualquer pretexto ou qualquer fim”. 0 artigo 4° declara que “se cidadãos da mesma profissão, arte ou ofício tomarem deliberações, fizerem convenções, com o fim de conjuntamente se recusarem a fornecer os serviços de sua indústria ou seus trabalhos, ou de só os fornecer a um preço determinado, essas deliberações e convenções serão declaradas inconstitucionais, atentatórias à liberdade e a declararão dos direitos do homem, etc.”; 21 crimes contra o estado, portanto, exatamente como já previam os velhos estatutos contra os traba­lhadores. 

Mesmo em plena luta revolucionária contra o Antigo Regime, com todo o povo francês lutando a seu lado contra a nobreza, a burguesia preocupava-se em não deixar espaço para a organização independente da classe operária. A introdução da cidadania para a burguesia triunfante significava garantir a liberdade individual e, em particular, a ‘liberdade’ do trabalhador como indiví­duo, dono de si próprio, pronto para ser livremente explorado. Essa era a questão mais importante e devia ser colocada acima e contra qualquer tenta­tiva de união de classe. Liberdade de expressão, sim, até mesmo direito de voto, mas não liberdade de associação de classe para reivindicar direitos que acarretassem qualquer obstáculo ao livre arbítrio do capital.

Chama a atenção a semelhança de pontos de vista nesse campo entre os dirigentes burgueses da França e os liberais da Inglaterra dos seculos XVII e XVIII. Um dos argumentos mais usados pela burguesia era a necessidade de acabar com os “privilégios corporativos”. Até hoje, os sucessores dos liberais do seculo XVIII ainda usam estes mesmos argumentos e a oposição entre liberda­de individual e direito de associação para justificar sua postura contra a livre associação dos trabalhadores. 22

Marx e Engels e a ótica de classe do proletariado

Para a burguesia, a conquista da cidadania era também um objetivo revolucionário e traçava os limites aos quais era necessário ater-se para assegurar a estabilização da nova sociedade. Seria necessário o crescimento e experiência de lutas do proletariado na Europa para que outra visão de mundo come­çasse a se consolidar.

Os primeiros socialistas e dirigentes das primeiras lutas operárias, entre o final do século XVIII e começo do XIX, ainda ti­nham uma visão permeada pelas concepções burguesas derivadas do desenvolvi­mento insuficiente das for­mas capitalistas nesse período, sem ultrapassar os limites do li­beralismo. Foram Marx e Engels, a partir de seu intenso contato com o movimento operário nascente e sua ruptura com o hegelianismo, que co­meçaram a elaborar uma ciência política do ponto de vista do proletariado, uma visão assumidamente de classe. Am­bos percebiam, por baixo da igualdade jurídica da sociedade burguesa, as diferenças entre as classes sociais como o eixo fundamental na definição dos interesses distintos que se chocavam.

Para Marx e Engels, os interesses das classes em disputa punham em lados opostos empresários e trabalhadores, e estes últimos teriam como maior arma a presença enquanto coletivo. Isso só seria possível conquistar numa guerra social implacável contra a burguesia, que teria o interes­se de evitar essa união e, para isso, além de repri­mir o movimento operário, trataria de ocultar sua situação de classe, as diferenças de interesses soci­ais que atravessam a sociedade capitalista. Em re­sumo, a noção de cidadania opõe-se à de identida­de de classe; existem propostas e interesses distin­tos por trás de cada uma delas. 23

A separação – segundo Marx – entre a arena econômica, onde a oposição capitalista-operário aparece mais claramente, é a arena politica, onde impera a figura do cidadão, que não guarda nenhuma relação aparente com a esfe­ra econômica, e um traço fundamental da concepção de cidadania promovida pela burgue­sia ascendente. Cidadania passa a ser uma cate­goria abstrata, desligada da práxis real e dos confli­tos inerentes à sociedade capitalista, 24 e ignora os processos reais que se dão na esfera da produção e da sociedade, para falar de um homem abstrato. Portanto, joga um papel de cobertura ideológica, de capa para os conflitos de classe que atravessam a sociedade.

Essa situação predominante na gênese da ci­dadania na sociedade capitalista europeia sofreu modificações, em particular com o advento do mo­vimento operário de massas a partir da metade do seculo XIX. O surgimento de pode­rosos movimentos sociais com identidade de clas­se na Europa Ocidental e depois em todo o mun­do, e as conquistas parciais que arrancaram dos capitalistas e governos após lutas encarniçadas, foram de tal monta que modificaram a situação e impuseram, entre outras questões, que fosse acei­to o direito de organização sindical, assim como a extensão do direito de voto aos operários.

Desde as três ultimas décadas do seculo XIX e em todo o transcorrer do seculo XX, o cenário para o movimento operário da Europa Ocidental capitalista havia se modificado com as conquistas sociais, democráticas e trabalhistas arrancadas nos principais países europeus até a Primeira Guerra Mundial, entre elas a jornada de 8 horas, o reco­nhecimento dos sindicatos de massa, o direito de voto e a organização e legalização dos grandes partidos socialistas ou laboristas.

A origem da versão moderna de cidadania

A Primeira Guerra Mundial, se por um lado causou uma derrota e uma divisão nas fileiras do movimento operário internacional, por ou­tro, ao aproximar-se do final, despertou uma onda de revoluções sociais que causou um forte impacto no mundo inteiro. Essa onda revolucionária foi freada e os trabalhadores impedidos de chegar ao poder político, com exceção da própria URSS.

Nos países capitalistas, era necessário, para a burguesia, canalizar o descontentamento social das massas, para que o regime pudesse voltar a se estabilizar na Europa e assegurar a recomposição dos estados capitalistas abalados pela guerra e os movimentos de massa em luta armada contra o nazi-fascismo. Aplicou-se então o Plano Marshall, a política de financia­mento direcionada aos novos governos europeus, com vistas a que pudes­sem reconstruir suas economias arrasadas e proceder às reformas sociais do assim chamado welfare state

Um dos países que mais simbolizou essa política de estender direitos soci­ais aos setores operários atingidos pela crise e pela guerra foi a Inglaterra. Ao final da guerra, mesmo saindo vitoriosa do conflito, a Inglaterra sofria uma grande pressão social por parte dos trabalhadores. Após grandes sacrifícios, a classe operária inglesa sentia-se vitoriosa e reivindicava melhorias imediatas em seu padrão de vida. Um sintoma do estado de espírito reinante foi a derrota de Churchill, o condutor da guerra contra Hitler, na primeira eleição logo após o final da guerra, justamente para os laboristas, que propunham a introdução ou melhoria dos serviços públicos, dos direitos sociais e a intervenção estatal na economia para impulsionar a recuperação.

O sociólogo T.H. Marshall, então, retoma a noção de cidadania. Tratava de dar conta da nova realidade criada pelas modificações impostas às relações sociais e politicas após um seculo de lutas operárias e populares, com a irrupção e extensão do movimento operário internacional durante o seculo XX e, em particular, a vitória contra o nazi-fascismo e as conguistas sociais que daí se seguiram. Marshall fez um esforço por adequar formulações anteriores sobre os direitos políticos e sociais à situação do capitalismo britânico do pós-guerra. Para isso, ressuscitou a bandeira da cidadania.

Com o fim da Segunda Guerra, a burguesia viu-se obrigada a recorrer a medidas que em outros tempos seriam chamadas de ‘socialismo’ ou ‘intromissão’ do Estado na vida das pessoas, ao assumir os direitos sociais e serviços básicos, como educação, saúde e habitação. A concepção de cidadania deveria ter um verniz diferente; não podia basear-se na mesma visa que trazia desde o seculo XVIII, mas incluir os novos direitos sociais, mesmo que colocando os limites que sua adoção não deveria ultrapassar: as fronteiras da sociedade capitalista. Algumas das ideias de Marshall tiveram grande influência posterior na retomada da formulação de cidadania e para tentar compreender a evolução social a partir dela. Para isso, fez um histórico do desenvolvimento da cidadania moderna, divi­dindo-a em três partes: a civil (direitos individuais básicos), a política (participação no poder politico) e a social (bem-estar econômico e segurança). 25 

Marshall considerava a aceitação pela burguesia da cidadania social fruto da própria evolução econômica, do interesse que a burguesia teria em aumentar a produção de bens de consumo e fortalecer o mercado interno, mesmo que para isso tivesse de enfrentar um maior poderio do movimento operário or­ganizado nos sindicatos. Ele insiste em que as medidas destinadas a elevar o nível de civilização dos trabalhadores não deveriam interferir no livre funcionamento do mercado. Na verda­de, a tese de Marshall é uma adaptação da concepção da cidadania burguesa clássica aos tem­pos do pós-guerra e do welfare state. Reflete um período em que as conquistas no terreno dos di­reitos sociais ampliaram-se e pareciam tender a uma generalização, e a burguesia europeia foi obri­gada a ceder aos trabalhadores para poder estabi­lizar os regimes políticos.

Pietro Barcellona, em seu texto A estratégia improvável da cidadania, 26mostra que o centro da noção de cidadania em Marshall é atribuir a essa categoria um novo significado – de acesso dos membros da comunidade a direitos sociais básicos que permitam integrar os setores mais pobres à sociedade, dar-lhes um sentido de inclusão, à medida que no próprio status de cidadão estejam incorporados determinados di­reitos sociais e isso possa diminuir a desigualda­de social.

Marshall tenta demonstrar que não haveria uma contradição entre uma política de universalização progressiva de direitos sociais e a lógica do sistema capitalista. E dava como per­manente algo que era imposto pela relação de forças daqueles anos. As conquistas não decor­riam de uma conversão das classes dominantes, mas uma adaptação aos tempos atípicos do pós-guerra. Se era compreensível que houvesse uma confusão quanto a isso entre 1950 e 1980 na Europa Ocidental, hoje, nos tempos do neoliberalismo, reaparece com toda a crueza a contradição entre uma ideia de progressiva cida­dania social cada vez mais estendida e a realida­de imposta pela lógica do mercado na sociedade capitalista.

Para onde nos leva essa política?

Qual é o problema de fundo que a concepção de cidadania omite? Que a sociedade é dividi­da em classes. Que existem cidadãos proprietários dos meios de produção e cidadãos despossuídos. Os interesses da maioria explo­rada não são os mesmos da minoria explora­dora. Os lucros de uns implicam na miséria de outros. Essa minoria continua governando por­que tem a seu favor o aparato de Estado, os governos, os congressos, as Forças Armadas; enquanto os trabalhadores, apesar de serem maio­ria, só contam com sua própria organização e consciência para reagir e lutar. Omitir essa oposição em nome de uma pretensa igualdade entre todos a ser atingida na sociedade atual desvia os explo­rados da busca da necessária unidade de classe para acabar com a exploração. E deixa-os à mercê do canto de sereia por uma saída conjunta com seus exploradores, sem radicalismos

No movimento sindical, a ideologia da ci­dadania, em nome de ‘abrir o sindicato à soci­edade’, prega a colaboração entre trabalhadores e empresários; e a ideia do sindicato cidadão, que deveria participar lado a lado com os pa­trões na defesa do emprego, na luta contra a miséria, ou o analfabetismo. É o que vem fazen­do a direção da CUT brasileira, que há muito abandonou o discurso classista da década de 80 para adotar uma proposta de parcerias e progra­mas integrados de ‘inclusão social’. Exemplo dessa política foi o projeto conjunto (Travessia) entre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e os banqueiros americanos do Bank of Boston, que se propuseram a trabalhar com meninos de rua para melhorar o problema da violência e da exclusão no centro de São Paulo. Essa política começa assim e culmina com a negociação per­manente, concretizada nos acordos tripartites entre as centrais, governos e empresários, im­postos aos trabalhadores, como fazem as cen­trais europeias e as câmaras setoriais.

A real situação dos trabalhadores demons­tra, ao contrário, que para lutar por esses direi­tos mínimos, que qualquer cidadão mereceria ter, necessita-se uma organização independen­te dos trabalhadores contra a reação burgue­sa! Essa organização independente, política e sindical, pressupõe uma consciência de clas­se e uma ação classista. Do contrário, não se travará a luta.

A batalha contra o neoliberalismo hoje exige uma luta de classes sem trégua. A estratégia da cidadania, que se propõe a defender os direitos conquistados sob esse nome, difunde a visão no interior do movimento operário de que seja possível uma melhoria para todos baseada na parceria, na ação conjunta de toda a sociedade. É a velha política da colaboração de classes com outra roupagem. O resultado é o que se vê na ação da social-democracia e centrais sindicais europeias, que nem sequer conseguem de­fender os direitos sociais remanescentes em base a essa estratégia.É uma dialética implacável. A cidadania, algo que se considera pleno e de toda a sociedade, só poderá ser realmente alcançada com uma política de classe, ou seja, de uma parte desse todo que aponta uma saída anticapitalista para o conjunto. A colaboração de classes, a defesa da união de todos pelo bem comum, a aceitação do poder estatal burguês travestido de Estado de Direito como único horizonte possível, além de utópica, não permite sequer a defesa consequente desses direitos. É como se todas as contradições do sistema capitalista-imperialista pudessem ser re­solvidas mediante a conscientização, as ações locais e o convencimento pelo diálogo. Seria fácil. Mas o capitalismo não deixa saída. A história da humanidade moderna continua sendo a história da luta de classes.

Notas

  1. El Mundo, 10/11/1999 ↩︎
  2. Manifesto de Daniel Cohn Bendit. Por uma Terceira Esquerda Verde, Le Monde 26/2/2000. ↩︎
  3. Vide a proposta de Moção de Orientação apresentada pela Mesa Promotora do Bloco de Esquerda. ↩︎
  4. “As redes que incentivam as marchas contra o desemprego e a organização de conferên­cias intercidadãs como contraponto às conferên­cias intergovernamentais que constroem a Europa neoliberal, revelam uma resistência que está em construção… Mas teria então que adotar uma democracia individual e coletiva que permitisse aos cidadãos, homens e mulheres, e aos povos, o controle dos meios e fins dessa construção.” Samary, Catherine, “De las crisis de las sociedades realmen­te existentes a la uropía socialista” in Monereo, Manuel e Chaves, Pedro (orgs.). Para que el socialismo tenga futuro, El Viejo Topo, 1999, p.117. ↩︎
  5. Jüergen Habermas, “Nos Limites do Estado”, artigo publicado na Folha de S. Paulo, caderno
    Mais, 18/07/1999. ↩︎
  6. Démota: membro do demo (tribo). ↩︎
  7. Aristóteles, A constituição de Atenas. SP, Hucitec, 1995, p. 87. ↩︎
  8. Perry Anderson, Transiciones de la Antiguedad al Feudalismo. México, Siglo XXI, 1996, p. 33. ↩︎
  9. Aristóteles, Política. Madrid, Espasa-Calpe, 1972, III, iii, p.2. ↩︎
  10. A Revolução Gloriosa de 1688 foi a que permitiu a ascensão da burguesia inglesa ao poder, desta vez de forma definitiva. ↩︎
  11. John Locke, “Formas de Governo”. ln Wcffort, Francisco (org.). Clássicos da Política. São Paulo, Ática, p. 199. ↩︎
  12. Idem ↩︎
  13. Agora, do lado capitalista, na propriedade revela-se o direito de apropriar-se de trabalho alheio não pago ou do seu produto, e, do lado do trabalhador, a impossibili­dade de apropriar-se do produto de seu trabalho. A dissociação entre proprie­dade e trabalho é consequ­ência necessária de uma lei que claramente derivava da identidade existente entre ambos.” (O Capital, Livro I, vol.2, SP, Difel, 1982, 8ª ed., p. 679). ↩︎
  14. A Riqueza das Nações, vol. 1. São Paulo, Abril Cultural, 1978, p.140. ↩︎
  15. Idem, ibidem, p.104. ↩︎
  16. Como a passagem do servo para o cidadão separa o homem ‘político’ do ‘econômico’. “No fêudalismo não havia uma definição clara entre poder econômico e político; a relação entre o senhor e o servo era indistintamente econômica e política: não existia uma diferença entre o status econômico e seu status político; a servidão impli­cava em uma inferioridade tanto econômica quanto política. So­mente no capitalismo surge uma diferença clara entre econômico e o político, o surgimento desta. diferença é parte integrante da mudança na forma de exploração. No feudalismo se explo­rava os trabalhadores numa estreita relação com o senhor, que exercia um domínio total sobre eles (…) Esta mudança na forma de exploração implica em mudanças fundamentais entre a classe exploradora e a classe explorada. A relaçãode exploração já não se estabelece através da servi­dão por toda a vida, senão através… da compra e venda de trabalho. O operário encontra-se ‘livre’. Esta liberdade implica que o explorador imediato não pode exercer a mesma coerção que o senhor feudal exercia sobre seus trabalhadores. Um capitalista não pode normalmente encarcerar seus operários nem condená-los à morte. No entanto, está claro que se necessita de fato coerção física em qualquer sociedade para manter a ‘ordem’, a ordem da classe dominante. Ao contrário das sociedades anteriores, esta coerção … encontra-se no capitalismo separa­da do processo imediato de exploração e se localiza em uma instância diferente: no Estado.” (…) Através de um longo pro­cesso histórico, o servo feudal converteu-se em dois personagens diferentes: por um lado, trabalhador assalariado; por outro, cidadão”. Holloway, John. Marxismo, Estado y Capital. Buenos Aires, Cuadernos del Sur, 1994, pp.108-109. ↩︎
  17. A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo pelo abuso da liberdade, nos casos determinados pela lei.”(artigo 11). “E, finalmente, o direito mais importante para os constituintes, representantes da burguesia: o direito ‘à propriedade, direito inviolável’” Ostermann, Nilse Wink, Às armas, cidadãos! São Paulo, Atual Editora. 1995, p.49. ↩︎
  18. Karl Marx, O Capital, Livro 1, vol.2. São Paulo, Difel, 1982, p. 858. ↩︎
  19. Karl Marx, op. cit., p. 859. ↩︎
  20. Manfred, A. A Grande Revolução Francesa. 2″ edição, SP, Ícone Editorial, 1986, p. 96. Também descrito em Bernard Epin et alli. A Revolução Francesa: Ela inventou nossos sonhos. SP, Brasiliense, 1989, p.44. ↩︎
  21. Karl Marx, op. cit., p. 859. ↩︎
  22. Milton Friedman é claro: “Na área econômica, um problema importante surge a respeito do conflito entre a liberdade de se associar e a liberdade de competir. (…) Talvez o problema específico mais importante neste caso, diga respeito à associação de trabalhadores, onde o problema da liberdade de associar-se e da liberdade de competir apresenta-se de modo mais agudo.” Friedman, Milton. Capitalismo e liberdade. SP, Abril, 1984, p. 83. ↩︎
  23. A ‘guerra permanente entre a burguesia e o proletariado’ é uma característica da sociedade capitalista moderna. Por isso, quando o operário desperta, em geral para lutar contra a exploração, ou melhor dito, contra os efeitos da exploração capitalista, como os baixos salários ou a extensão da jornada ou diferentes tipos de opressão (trabalho feminino, infantil, etc.); então, ele é obrigado a assumir movimentos coletivos, pois sozinho estará submetido aos desígnios do capital. A ação conjunta proletária é a reação contra a guerra social que lhe é movida, e necessariamente se enfrenta ao capital.” F. Engels, Prefácio de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. SP, Paz e Terra. 1982, p.12 ↩︎
  24. “O homem real só é reconhecido sob a forma de indivíduo egoísta; o homem verdadeiro, apenas sob a forma de citoyen abstrato.” Marx denuncia, neste enunciado, que a burguesia quer limitar o homem, na sua vida cotidiana, àquele individuo isolado, que compete com os demais, e deixa a atividade política para o cidadão. Como cidadão, o homem torna-se público, passa a pensar no interesse coletivo, como se se pudesse separar um do outro.” Cf. “A Questão judaica“, ln Octavio Ianni, (org.). Marx-Sociologia, São Paulo, Ática, 1992, p. 196 ↩︎
  25. T. Marshall. Cidadania, Classe Social e status. R.J., Zahar Editores, 1967, p.63. ↩︎
  26. Pietro Barcellona, O egoísmo maduro e a insensatez do capital. São Paulo, Ícone Editorial, 1996. ↩︎

Publicado em junho de 2000 na revista Marxismo Vivo.

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