O surgimento e o papel do reformismo stalinista e social-democrata
A III Internacional, com a força da vitória da Revolução Russa, rapidamente adquiriu influência de massas em uma disputa frontal com a social-democracia. Sua estratégia era a revolução mundial, a luta pela destruição do Estado burguês e pelo poder operário como transição para o socialismo. Por: José Welmowicki No entanto, o isolamento da Revolução Russa,

A III Internacional, com a força da vitória da Revolução Russa, rapidamente adquiriu influência de massas em uma disputa frontal com a social-democracia. Sua estratégia era a revolução mundial, a luta pela destruição do Estado burguês e pelo poder operário como transição para o socialismo.
Por: José Welmowicki
No entanto, o isolamento da Revolução Russa, a destruição causada pela guerra civil contra o poder operário devido às invasões dos mais de 20 exércitos mantidos pelas potências imperialistas em um país atrasado e com um grande peso do campo, gerou um processo de burocratização do Estado e do partido comunista, levando a uma contrarrevolução política. Encabeçada pela fração dirigida por Stalin, esta assumiu o controle do poder e do partido e imprimiu uma orientação oposta à de Lenin.
Em primeiro lugar, mudou a política de Lenin e a visão marxista de que, para triunfar, o socialismo precisava ser mundial. Também acabou com a democracia no Estado e no partido. Esses princípios foram substituídos pela defesa do “socialismo em um só país”, pela burocratização do aparato estatal, pela perseguição aos opositores no partido e no Estado e pela opressão das nacionalidades e de todos os setores oprimidos. Coroando esses retrocessos, surgiu a nova doutrina, o stalinismo, que assumiu como política, para os países coloniais e semicoloniais, a aliança estratégica com as burguesias nacionais ou seus setores supostamente progressistas.
O estalinismo passou a defender os governos de colaboração de classes, as chamados frentes populares com a burguesia, como na França e na Espanha da década de 1930.
Como afirmava Trotsky no Programa de Transição, em 1938:
“A Internacional Comunista alinhou-se no caminho da social-democracia na época do capitalismo em decomposição, quando não há mais lugar para reformas sociais sistemáticas nem para a elevação do nível de vida das massas, quando a burguesia retoma sempre com a mão direita o dobro do que deu com a esquerda, quando cada reivindicação séria do proletariado, e até mesmo cada reivindicação progressista da pequena burguesia leva, inevitavelmente, além dos limites da propriedade capitalista e do Estado burguês.”
A partir daí, o stalinismo assumiu as posições essenciais do reformismo e passou a defender a via das reformas e a confiança na democracia burguesa, abandonando de vez a independência de classe.
Colaboração com a burguesia. O pós-Segunda Guerra e o Estado de bem-estar social
Na Segunda Guerra Mundial ocorreu uma das maiores batalhas e uma das maiores vitórias dos trabalhadores e dos povos do mundo: a derrota do nazifascismo. Isso, apesar de todas as traições, dos acordos da Inglaterra e da França com o nazismo, dos pactos de Stalin com Hitler em 1938 – o papel das massas na URSS, como em Stalingrado, foi decisivo nessa luta e nessa vitória, apesar da sua direção. Por essa razão, os partidos comunistas saíram prestigiados pela resistência e pela vitória final contra os nazistas.
Isso possibilitou aos partidos comunistas uma situação privilegiada. Frente à colaboração das burguesias locais com Hitler e Mussolini, após a invasão da URSS pelos alemães em 1941, os comunistas desempenharam papel destacado na guerrilha iugoslava, nas resistências francesa e italiana, na resistência grega, na China e no Vietnã.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, abriu-se uma situação revolucionária em toda a Europa. A resistência assumia o controle de países decisivos. Estava-se cogitando a possibilidade de tomar o poder em países-chave. Uma revolução operária e popular abriu-se na França, na Itália e na Grécia. Os trabalhadores armados e vitoriosos haviam destruído o ocupante nazista e o Estado burguês.
Sob as ordens de Stalin, ele apostou totalmente nos pactos de Yalta e Potsdam e na coexistência com o imperialismo, inclusive dissolvendo a III Internacional em 1943, a pedido de Winston Churchill. Essa traição histórica à revolução e ao legado de Lenin permitiu, por exemplo, o massacre da resistência grega por parte do exército inglês, e os partidos comunistas entregaram o poder à burguesia na França e na Itália.
Diante de uma situação explosiva na Europa, o imperialismo foi forçado a fazer uma série de concessões aos trabalhadores e permitir que a social-democracia e os partidos comunistas justificassem seu apoio aos novos governos de “unidade nacional pela paz”. O imperialismo estadunidense organizou o Plano Marshall para financiar a reconstrução capitalista da Europa Ocidental, arrasada pela guerra.
Uma série de medidas de proteção social, antes rejeitadas pelas burguesias imperialistas, acabou sendo implementada, como a legalização de diversos direitos trabalhistas e a criação ou ampliação da seguridade social. Esse foi o chamado welfare state (Estado de bem-estar social), que, ao trazer melhorias no nível de vida, passou a ser apresentado como “prova” da possibilidade de uma reforma gradual do capitalismo – um modelo que poderia ser mantido e expandido.
Nesse processo, os reformistas conseguiram retomar seu prestígio ao capitalizarem o período em que, devido à destruição causada pela guerra e ao medo de uma revolução operária, a burguesia viu-se obrigada a permitir uma melhora importante nas condições de trabalho e nos direitos sociais. A social-democracia e os partidos comunistas apresentaram-se como defensores dos direitos sociais, reestruturaram-se na Europa Ocidental e passaram, com frequência, a integrar os governos da Alemanha, da Inglaterra, da França, entre outros países. Isso ocorreu nos anos 1950 e perdurou até o final da década de 1960, com fortes partidos reformistas – fossem eles socialistas ou comunistas – em toda a Europa Ocidental.
À medida que avançavam os anos 1940 e começavam os anos 1950, a pressão do imperialismo anglo-americano na chamada Guerra Fria gerou um discurso mais duro por parte da burocracia stalinista. No entanto, o stalinismo nunca rompeu seu compromisso com a ordem mundial definida em Yalta e Potsdam. Ele passou a adotar uma postura de colaboração aberta e de “coexistência pacífica” com o imperialismo. A partir dessa doutrina, os discursos passaram a defender o diálogo e a conciliação, com os partidos comunistas contribuindo para a manutenção da dominação imperialista no mundo e do Estado burguês.
A partir do final dos anos 1950, os partidos comunistas passaram a ser campeões no apoio a governos burgueses supostamente progressistas em todos os continentes. Na Itália, por exemplo, defenderam o “compromisso histórico” entre o Partido Comunista – o maior partido comunista do Ocidente – e a Democracia Cristã, o maior partido burguês do país.
América Latina: fracasso do reformismo e do nacionalismo burguês no mundo semicolonial
Na América Latina, entre os anos 1950 e 1970, as presenças do reformismo e do nacionalismo burguês seguiram o caminho de chegar ao poder para tentar desviar os processos revolucionários: desde a Bolívia, em 1952, até a Argentina, com Perón. Nesses processos, em nome da aliança com a burguesia, os partidos comunistas apoiaram os chamados governos progressistas, como o de João Goulart, no Brasil (1962–1963), e a Unidade Popular de Allende, no Chile (1970–1973). Em nome dessas alianças, passaram a defender a legalidade e o Estado, e invocaram a confiança nas forças armadas – consideradas patrióticas –, desarmando, assim, a resistência aos golpes, tanto no Brasil quanto no Chile.
Neoliberalismo. A crise na social-democracia e no stalinismo
A social-democracia, que se havia fortalecido na reconstrução do pós-guerra e por sua identificação com o Estado de bem-estar social, começou a sofrer um forte desgaste no final dos anos 1960. Nesse momento, iniciaram-se os ataques a esses direitos sociais – ataques que vieram tanto da direita quanto dos próprios social-democratas, quando estes estavam no governo.
Na França, na Alemanha e na Espanha do pós-Franco, a partir dos anos 1970 e durante os anos 1980, esse desgaste se aprofundou com a implementação do chamado “neoliberalismo”. Essa política econômica consistia em reduzir os direitos conquistados em nome de um “Estado menor” e da “liberdade de iniciativa”. Iniciado por Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos) e experimentado na ditadura chilena de Augusto Pinochet, o neoliberalismo acabou sendo adotado também por governos social-democratas – Mitterrand, na França (1981–1988); Felipe González, na Espanha (anos 1980); os laboristas, na Inglaterra; e os social-democratas, na Alemanha. Desse processo surgiu a terceira via, defendida pelo laborista Tony Blair, primeiro-ministro britânico (1997–2007).
Surgiu, então, o fenômeno do eurocomunismo, tendo como carro-chefe o Partido Comunista italiano. Levando até o fim a política de aceitar o Estado burguês em nome da democracia, formulou-se a doutrina da “democracia como valor universal”. Para esses, a evolução da democracia conduziria ao socialismo sem a necessidade de revoluções sociais – ou seja, adotaram um programa similar ao que a social-democracia havia defendido no passado.
Outras vertentes do stalinismo, como o maoísmo e o castrismo, apesar da estratégia guerrilheira que, num primeiro momento, atraiu a simpatia de milhares de militantes, acabaram por se tornar a expressão das burocracias que governam a China e Cuba. Em pouco tempo, passaram a apoiar as mesmas burguesias progressistas e colocaram-se contra a tomada do poder pelos trabalhadores em uma série de revoluções. Fidel Castro demonstrou isso ao apoiar a aliança de Allende com a burguesia no Chile e também ao dizer, aos sandinistas, durante a Revolução de 1979, que não se deveria expropriar a burguesia, mas sim aliar-se a ela. “A Nicarágua não deveria ser uma nova Cuba”, afirmou.
Tanto a burocracia chinesa quanto a cubana foram a linha de frente na restauração do capitalismo em seus países. Hoje, o Partido Comunista cubano representa a nova burguesia que restaurou o capitalismo na Ilha. Por sua vez, o Partido Comunista chinês transformou-se em um partido que governa, de maneira totalitária, o Estado capitalista chinês.
Após a restauração do capitalismo na ex-URSS, partidos eurocomunistas como o Partido Comunista italiano completaram um processo de reconversão em partidos burgueses.
A social-democracia e o que restou dos antigos partidos stalinistas, como os de Portugal ou da França, transformaram-se em partidos do “establishment”, cujo programa é a defesa do Estado burguês. Dessa forma, tornaram-se instrumentos auxiliares para que a burguesia implementasse sua guerra social e destruísse o Estado de bem-estar social.
Artigo publicado em www.pstu.org.br