Reforma ou revolução: o embate que decidiu a vitória em outubro de 1917.
Na formação do movimento operário, várias teorias foram sendo superadas, como o utopismo dos primeiros socialistas, que ainda continham a visão burguesa em seu seio, pois correspondia à sua “infância”; um fenômeno que vem desde a origem do movimento operário no século XIX. Por: José Welmowicki Marx e Engels citaram essas ideias na parte final

Na formação do movimento operário, várias teorias foram sendo superadas, como o utopismo dos primeiros socialistas, que ainda continham a visão burguesa em seu seio, pois correspondia à sua “infância”; um fenômeno que vem desde a origem do movimento operário no século XIX.
Por: José Welmowicki
Marx e Engels citaram essas ideias na parte final do Manifesto Comunista e, por isso, combateram-nas ideologicamente de forma permanente. Naquele momento, o utopismo e o reformismo eram associados às correntes que ainda preservavam as ideias dominantes anteriores. Em sua trajetória, estreitamente vinculada à organização dos partidos operários na Europa e à Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx e Engels tiveram que travar duras polêmicas com os setores sindicalistas que ainda refletiam a imaturidade da classe, ao mesmo tempo em que sofriam as pressões das classes dominantes. Com a conformação da Primeira Internacional, surgiram diversas controvérsias para superar os erros desses setores.
Como exemplo dessas polêmicas, podemos citar a defesa da Comuna de Paris em 1871 e a conclusão da necessidade de destruição do Estado burguês, ou ainda a discussão do Programa de Gotha (1875), congresso que formou o SPD alemão. Contudo, até aquele momento, a questão do reformismo ainda não havia assumido a importância e as raízes que viria a tomar mais adiante, como um tremendo obstáculo à revolução proletária – determinando derrotas profundas, como a bancarrota da Segunda Internacional e da Terceira Internacional.
No desenvolvimento da Revolução de Outubro, o papel do reformismo foi muito grande e a revolução só pôde triunfar devido à existência do Partido Bolchevique, que se opôs e derrotou os reformistas na disputa pelo apoio da classe operária e do povo, possibilitando a vitória da revolução socialista.
I – O reformismo tornou-se predominante e levou à bancarrota da II Internacional
A primeira vez que um socialista de relevância participou de um governo burguês (o deputado Millerand, na França, em 1899) pôs à prova o programa e a prática dos socialistas, causando uma grave crise.
Rosa Luxemburgo denunciava o significado dessa participação: relegar os socialistas franceses a serem os sustentadores do governo burguês do Partido Radical, incapazes até mesmo de criticar abertamente ou propor medidas mais radicais no governo em que participavam, por medo de que este renunciasse – justificando que, se o fizessem, outro governo burguês ainda mais reacionário assumiria. Esse episódio gerou repúdio na época, tanto na social-democracia quanto na II Internacional.
Entretanto, o episódio francês expressava na prática posições já firmemente presentes na direção da social-democracia alemã e da II Internacional, cujo centro dirigente era o SPD alemão. As bases materiais para essa concepção reformista situavam-se no período de crescimento do capitalismo na segunda metade do século XIX, após a Comuna de Paris.
Esse período possibilitou conquistas importantes ao proletariado, como aumentos salariais, redução da jornada de trabalho, melhores condições laborais e maior liberdade organizacional na Europa Ocidental. Sindicatos e partidos social-democratas cresceram e se fortaleceram, gerando uma perspectiva falsa de uma evolução gradual no capitalismo, com cada vez mais conquistas e poder político. A conquista de direitos políticos – como o do sufrágio – possibilitou que, na Alemanha das últimas décadas do século XIX, o Partido Social-Democrata conquistasse cada vez mais parlamentares. Fruto dessa conquista e da pressão direta que o parlamento e os sindicatos exerciam sobre o partido, uma camada de quadros foi se adaptando ao funcionamento legal e à rotina parlamentar, formando uma burocracia partidária, assim como se consolidava uma burocracia própria nas organizações sindicais.
Bernstein foi o dirigente que forneceu a formulação teórica para toda a prática da social-democracia alemã de adaptação ao sistema parlamentarista, à rotina de aprimoramento sindical e à construção de uma burocracia na Alemanha. Assim, criou-se a base para a concepção reformista de que seria possível alcançar o socialismo por meio de reformas, sem a necessidade de rupturas ou da destruição do Estado burguês – ou seja, sem a revolução operária. A tese de Bernstein era que a democracia significava a “ausência de um governo de classe”, isto é, um Estado em que nenhuma classe governaria, e, portanto, prevaleceria uma “vontade popular” abstrata. A conquista dessa almejada democracia ocorreria por meio de mudanças graduais, reformas paulatinas que conduzissem a avanços rumo ao socialismo, sem rupturas nem a necessidade de tomada do poder por meio de uma revolução social. O socialismo seria uma sociedade a ser alcançada via mudanças graduais e pela democratização progressiva do Estado. Bernstein calificava como “blanquismo” qualquer tentativa de tomada do poder pela classe operária, rotulando-a de “terrorismo operário”.
Rosa Luxemburgo respondeu em seu clássico Reforma ou Revolução:
“Bernstein condena os métodos de conquista do poder político, censurando-os por retomar as teorias blanquistas da violência; ele comete a infelicidade de equiparar o blanquismo a um erro profundamente prejudicial, erro que, desde que existam sociedades de classes, e a luta de classes seja o motor essencial da história, a conquista do poder político sempre foi o objetivo de todas as classes ascendentes, constituindo o ponto de partida e o ponto final de todo o período histórico.”
A Primeira Guerra expôs nitidamente o grau de adaptação da II Internacional e dos partidos social-democratas às burguesias, seus Estados e regimes. Uma vez declarada a guerra, os grandes partidos socialistas europeus decidiram apoiar suas respectivas burguesias numa guerra mundial, o que significava empurrar a classe operária de um país para lutar contra a de outro, matando-se entre si. Isso levou à bancarrota da II Internacional. Apenas uma pequena minoria de dirigentes – como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, na Alemanha, e os bolcheviques russos – manteve uma posição de princípio, convocando a combater seus respectivos governos, a acabar com a guerra e a transformá-la em guerra civil.
Todavia, essa catástrofe que atingiu a II Internacional deixou claro que a adaptação ao Estado burguês havia chegado a um ponto sem retorno, e agora as teorias de Bernstein passaram a ser plenamente adotadas, como ocorreu no partido alemão, em um congresso de 1921.
Os partidos social-democratas passaram a se tornar obstáculos à revolução socialista e demonstraram, durante a onda revolucionária posterior à Primeira Guerra Mundial, seu caráter abertamente contrarrevolucionário. Ao assumirem o governo em alguns países da Europa, como na Alemanha, passaram de um discurso que propunha lutar por reformas para conter a revolução a uma defesa aberta do Estado burguês frente à revolução operária. Quando a Revolução Alemã explodiu em 1918, e a monarquia do Kaiser foi derrubada, a social-democracia assumiu o governo e defendeu o Estado burguês com os instrumentos da repressão. Ficou demonstrado na prática que o discurso das reformas pacíficas e da democracia não conduzia ao socialismo. Passou-se a reprimir os revolucionários dissidentes da Liga Espartaquista – que, posteriormente, formaria o Partido Comunista da Alemanha. Os grandes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram assassinados pela polícia do governo social-democrata de Ebert.
III – Os mencheviques e o caráter da Revolução Russa
Desde sua fundação, havia, no interior da social-democracia russa, uma polêmica sobre a natureza da revolução, que se aprofundou com a Revolução de 1905. Os mencheviques defendiam que, devido ao atraso da sociedade russa, aos seus resquícios feudais, ao fato de que a imensa maioria da população era camponesa e de que o regime era uma monarquia absolutista, a Revolução Russa seria de caráter democrático-burguês, tendo à sua frente a burguesia nacional, apoiada pelo proletariado e pelo campesinato em sua luta conjunta contra a monarquia czarista. Somente após um longo desenvolvimento do novo regime e das forças produtivas sob o capitalismo, a revolução socialista proletária seria proposta. Nesse período ou etapa de desenvolvimento democrático, caberia ao proletariado e à social-democracia russa assumir o papel de ala esquerda, lutando para aprofundar as reformas e preparando um novo momento em que a tomada do poder estaria em pauta. Ou seja, qualquer tentativa de revolução socialista seria precipitada, um salto sem passar pelas etapas necessárias da luta. Essa concepção equivocada enfraqueceu os mencheviques para a Revolução Russa e, especialmente quando a Revolução de Fevereiro triunfou, tornou-se um poderoso obstáculo ao seu desenvolvimento.
IV – O papel dos mencheviques durante a Revolução Russa, de fevereiro a outubro
A queda da monarquia em fevereiro colocou os socialistas diante da disjuntiva de apoiar ou não o governo provisório. Os mencheviques, coerentes com sua visão de que a Revolução Russa deveria inicialmente ter uma etapa democrática-burguês, apoiaram o primeiro governo provisório após a queda do czar.
“Considerando que, por si só, a Revolução de Fevereiro era essencialmente burguesa – havia chegado tarde demais e não possuía, por si, nenhum elemento de estabilidade – estando dilacerada por contradições que se manifestaram desde o início na dualidade de poderes, ela deveria se transformar, ou como uma introdução direta à revolução proletária (o que de fato ocorreu) ou lançar a Rússia, sob um regime de oligarquia burguesa, a um Estado semicolonial.
Por conseguinte, poderia ser considerado o período subsequente à Revolução de Fevereiro, ora como de consolidação, de desenvolvimento ou de conclusão da revolução democrática, ora como uma etapa preparatória para a revolução proletária (…)” (Trotsky, Lições de Outubro).
Os mencheviques adotaram a primeira hipótese. Sua antiga tese de que a Revolução Russa seria democrática-burguês parecia estar corroborada pela realidade: segundo sua visão, cabia à burguesia dirigir o país durante toda uma etapa histórica. Seguindo essa lógica, os mencheviques continuaram apoiando – ainda que de maneira crítica – os sucessivos governos de coalizão, desde aquele liderado pelo príncipe Lvov, com figuras destacadas da burguesia, como Miliukov, dirigente do partido cadete (liberal).
“(…) Durante anos, os líderes mencheviques afirmaram que a revolução futura seria burguesa, que o governo de uma revolução burguesa apenas poderia realizar as aspirações da burguesia, e que a social-democracia não poderia assumir as tarefas da democracia burguesa, devendo, ‘sem deixar de impulsionar a burguesia para a esquerda’, limitar-se a um papel de oposição.” (Trotsky, op. cit.)
Porém, a realidade forçou os mencheviques a aprofundar as consequências de sua orientação estratégica: diante da velocidade dos acontecimentos – típica de um processo revolucionário em andamento – a própria Revolução de Fevereiro acabou por levar os mencheviques a integrar o governo. Mais uma vez, os socialistas não apenas priorizavam a defesa das instituições democráticas, como chegaram a adotar a mesma posição de Millerand, na França de 1899, aceitando fazer parte do governo e comprometendo-se com a política (burguesa) do governo de coalizão. Como escreveu Trotsky: “De sua posição original, preservaram apenas a tese de que o proletariado não deveria conquistar o poder.”
Posteriormente, os mencheviques passaram a assumir diretamente o governo de coalizão e foram fundamentais para compor o governo Kerensky, mantendo a linha de manter a Rússia na Primeira Guerra Mundial, sem alterar a propriedade burguesa ou o latifúndio secular. Desempenharam um papel essencial na sustentação desse governo, pois, até então, juntamente com os social-revolucionários, constituíam a maioria na direção dos sovietes de operários, soldados e camponeses. Ao ver ministros desses dois partidos no governo – como Tserelli ou Chernov –, e contando com o apoio do soviete de Petrogrado por meio de dirigentes como Chkeidze e Dan, as massas de operários, camponeses e soldados passaram a acreditar que aquele era “seu governo”. Diante dessa realidade, tornou-se necessária uma alternativa revolucionária com estratégia clara, papel que coube aos bolcheviques.
V – A Revolução de Outubro foi contra o governo liderado pelos reformistas
Diferentemente do caso francês de Millerand, os reformistas enfrentavam uma revolução proletária em curso. A questão da posição dos revolucionários em relação ao governo Kerensky definiu a trajetória da Revolução Russa e a possibilidade de tomada do poder pelos sovietes em outubro.
Essa questão não se restringe apenas aos mencheviques e aos social-revolucionários. Dentro do Partido Bolchevique, a maioria do Comitê Central, até a chegada de Lenin em abril, seguia uma orientação semelhante à dos mencheviques. Se não houvesse uma dura batalha de Lenin contra a ala hesitante de Stalin e Kamenev, a revolução poderia ter se perdido. E mesmo após abril, e com a mudança de orientação do partido para preparar a tomada do poder pelo proletariado por meio dos sovietes, houve uma resistência permanente a essa nova orientação por parte de importantes dirigentes bolcheviques.
Quando a contrarrevolução surgiu, por meio do golpe de Kornilov em agosto, e foi derrotada pela ação dos trabalhadores e camponeses, e quando o Partido Bolchevique assumiu a liderança dessa luta vitoriosa – convocando à unidade e revitalizando os sovietes, de modo que os bolcheviques passaram a conquistar a maioria de alguns dos principais sovietes, a começar pelo de Petrogrado e logo depois pelo de Moscou – aproximou-se o momento oportuno para a insurreição operária que derrubaria o governo e instituiria o poder dos sovietes.
Kerensky tentou utilizar a derrota de Kornilov para se reacomodar e convocou uma Conferência Democrática, de 14 a 22 de setembro, que originou um “pré-Parlamento”, marcando uma nova etapa no desenvolvimento das divergências. Abriu-se então um novo momento de hesitação. Os mencheviques ligados a Kerensky queriam obrigar os bolcheviques a se submeterem a esse novo órgão, aceitando entregar o poder crescente e o protagonismo adquirido pelos sovietes. A direção bolchevique convocou o boicote ao “pré-Parlamento” e exigiu que o poder fosse transferido aos sovietes. A ala conciliadora, liderada por Zinoviev e Kamenev, defendeu a participação em ambos os fóruns e o estreitamento dos laços com os mencheviques.
Trotsky explicava:
“A conduta dos partidos conciliadores na Conferência Democrática foi de uma lamentável baixaria. Contudo, nossa proposta de abandonar ostensivamente a conferência – correndo o risco de ficarmos presos nela – colidia com uma resistência categórica dos elementos de direita, que ainda detinham grande influência na direção do nosso Partido. Essas coalizões, nesse caso, serviram de porta de entrada para a luta sobre a questão do boicote ao pré-Parlamento. Em 24 de setembro – isto é, após a Conferência Democrática –, Lenin escrevia: ‘Os bolcheviques devem se retirar como forma de protesto, para não cair na armadilha pela qual a Conferência tenta desviar a atenção popular das questões sérias’.” (tradução nossa)
Contudo, apesar das hesitações dentro do próprio Partido Bolchevique, prevaleceu a orientação de Lenin, e assim se preparou a insurreição operária, vitoriosa em outubro. Isso significou uma ruptura frontal tanto com os mencheviques quanto com os social-revolucionários, que defendiam permanecer nos marcos da democracia burguesa – o que, por sua vez, ocasionou uma divisão entre os social-revolucionários, na qual uma ala de esquerda aderiu à proposta dos bolcheviques, formando a maioria dos sovietes.
No congresso dos sovietes, em outubro, foi declarado a transferência do poder para os órgãos soviéticos, expulsando Kerensky e seu governo. Contudo, a insurreição foi planejada para coincidir com a convocação do Congresso. Essa preparação foi realizada pelo Partido Bolchevique, que já liderava os principais sovietes: os de Petrogrado e Moscou.
A Revolução de Outubro só foi possível por meio da derrota do reformismo, derrubando o governo de colaboração de classes liderado por Kerensky. Esse destino ficou selado naquele mesmo congresso dos sovietes, quando, diante do repúdio à resolução de tomada do poder apresentada por Martov e da retirada da delegação menchevique, Trotsky dirigiu-se a eles afirmando que haviam escolhido seu destino, saindo de cena e indo para “o lixo da história”.
VI – O reformismo após a Revolução de Outubro
O reformismo teve um papel desastroso entre as décadas de 1920 e 1940. Sua política na Alemanha, de 1919 a 1933; na França e na Espanha, de 1931 a 1936; juntamente com o novo aparato surgido com a degeneração da URSS – ou seja, os partidos comunistas sob a direção do estalinismo – foi decisiva para infligir derrotas históricas ao proletariado mundial, para o isolamento da Revolução Russa, para o ascenso do nazismo e do fascismo, e para o deflagramento da Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945.
Com a derrota do nazifascismo e o fim da Segunda Guerra, a resistência assumia o controle dos países, mas a social-democracia e os partidos comunistas novamente traíram e desviaram a revolução socialista na França e na Itália. Uma vez estabilizada a situação, iniciou-se um período de crescimento econômico, no qual os reformistas recuperaram algum prestígio e conseguiram capitalizar um período denominado Estado de Bem-Estar, em que, devido à destruição causada pela guerra e em meio à revolução operária, a burguesia foi forçada a permitir melhorias significativas nas condições de trabalho, nos direitos sociais, etc. A social-democracia e os partidos comunistas apresentaram-se como defensores dos direitos sociais, reestruturaram-se na Europa Ocidental e integraram os governos na Alemanha, França, entre outros países.
Frente aos processos que derrubaram regimes ditatoriais, novamente serviram como desvios para a revolução operária na Grécia – com o Pasok de Papandreu; em Portugal – com o PSP de Mário Soares após a Revolução dos Cravos; e até mesmo na Espanha pós-franquista, com Felipe González, que pactuou a transição com a monarquia dos Bourbons.
Já na década de 1970, iniciou-se uma nova crise capitalista e, a partir daí, com a aplicação das políticas neoliberais de Thatcher e Reagan nos anos 1980, a social-democracia passou a abandonar cada vez mais as bandeiras das reformas parciais do Estado de Bem-Estar, adotando os mesmos planos neoliberais de seus adversários políticos de direita, o que resultou em uma nova grave crise nos partidos que passaram a ser chamados – com razão – de “socio-liberais”, pois não se diferenciam de seus adversários conservadores, excetuando-se apenas elementos retóricos. O mesmo fenômeno ocorreu com os antigos partidos comunistas após a restauração promovida na ex-URSS e em toda a Europa Oriental, os quais foram destruídos pelas revoluções que derrubaram seus regimes políticos no final dos anos 1980 e início dos anos 1990.
A “Terceira Via” de Tony Blair foi uma das expressões mais claras desse processo: o abandono da defesa do Estado de bem-estar e a aproximação à política dos “planos de austeridade” e dos cortes nos direitos dos trabalhadores. Os governos trabalhista britânico, do Partido Socialista francês e do PSOE espanhol foram fundamentais para o retrocesso nas conquistas operárias, para a implementação dos planos neoliberais e para a construção do Tratado de Maastricht e da União Europeia.
No entanto, toda essa traição resultou em uma queda violenta no prestígio do velho reformismo social-democrata e estalinista: o PASOK grego mergulhou em profunda crise, reduzindo-se a uma bancada parlamentar fraca; o PSOE saiu desgastado pela gestão da crise econômica, não atraindo mais os jovens nem os dirigentes operários; o PS francês, após governar de 1970 até 2000 e ter tido o último presidente, registrou seu pior resultado histórico devido à desastrosa gestão de Hollande; o Partido Comunista italiano desapareceu, dando origem ao PD, que é um partido burguês, fruto da fusão dos antigos comunistas com os democratas-cristãos, e já não exerce a mesma atração para os jovens e para o movimento operário.
No Brasil, o PT, que surgiu tardiamente em relação a essas forças, teve um rápido e potente ascenso nas décadas de 1980 e 1990 e, em seguida, passou por um processo igualmente rápido de adaptação: ao assumir o governo, tornou-se também executor da política neoliberal e passou por um desgaste violento em função da implementação desses planos e da estreita colaboração com os bancos e as grandes empresas que o financiavam, o que o envolveu em um gigantesco escândalo de corrupção, ocasionando um profundo desgaste que afetou todos os seus principais quadros, inclusive Lula.
VII – O neorreformismo
Diante da profunda crise do velho reformismo, que se transformou no social-liberalismo, e do colapso do estalinismo nas décadas de 1990 e 2000, abriu-se um espaço resultante desse ascenso popular, a partir da reação contra a aplicação dos planos de austeridade da União Europeia. Especialmente a partir da crise de 2008, surgiram novas formações reformistas que tentaram preencher esse vácuo: o primeiro a obter um forte apoio popular foi o Syriza, na Grécia. Contudo, novamente, a lei de ferro da adaptação à democracia burguesa recaiu sobre esses novos partidos. Agora, o ritmo é ainda mais intenso, uma vez que não há espaço nem mesmo para reformas mínimas.
O caso grego foi o mais revelador. Nesse contexto, a guinada foi completa: o Syriza se apresentou como a oposição frontal ao Pasok, sendo visto como a “esquerda radical contra a austeridade”. Após diversas greves gerais e quedas de governo, o SYRIZA venceu as eleições parlamentares, formando governo com um partido burguês de direita. Logo após assumir o governo, tornou-se o substituto do PASOK, implementando os planos de expolição da Troika e até mesmo a política repressiva da UE contra os refugiados, estabelecendo-se como sócio e aliado de Israel. Em “contrapartida a essa generosidade”, Tsipras implementou a décima quarta onda de cortes contra a classe trabalhadora grega, com novos cortes nos benefícios e mais privatizações.
Na França, Mélenchon, candidato da “França Insubmissa”, limita-se a abordar – de forma insatisfatória – os efeitos da crise, sem atacar a propriedade das grandes empresas ou dos bancos. Seu economista-chefe vangloria-se de que seu programa é “sério e realista”. Propõe reformas moderadas e a convocação de uma assembleia constituinte para refundar uma VI República parlamentarista, sem sequer propor uma ruptura com o poder burguês. Seu projeto, na prática, não é a revolução operária, mas a “Revolução Cidadã”.
Na realidade, todas as forças que se identificam com a “nova esquerda europeia” – os neorreformistas do Podemos, do Bloco de Esquerda português, da Die Linke na Alemanha – veem no SYRIZA sua referência. Em comum, essas forças apostam em mudanças por via eleitoral, sem romper com a legalidade burguesa. Não há sequer a perspectiva revolucionária. Elas não propõem a ruptura com a UE, mas apenas negociar para “modificar os tratados”. E, em outras partes do mundo, existem fenômenos semelhantes, como o PSOL brasileiro, que tenta ocupar o espaço deixado pelo PT, mas com um programa muito similar.
A diferença hoje é que, em geral, esses partidos não possuem as mesmas raízes que o antigo reformismo tinha na classe operária – tanto os social-democratas quanto os ex-estalinistas –, tratando-se essencialmente de fenômenos eleitorais.
VIII – Uma lição de Outubro: a revolução socialista exige derrotar os reformistas
Como demonstra a Revolução de Outubro, de forma positiva, bem como a história das revoluções abortadas ou derrotadas dos séculos XX e XXI, os processos revolucionários não se transformam espontaneamente em revoluções triunfantes. É necessário haver um partido, como os bolcheviques, com um programa revolucionário claro, que compreenda a necessidade de enfrentar e derrotar não apenas a burguesia, mas também seus agentes dentro do movimento de massas. Essa é uma das mais importantes lições de Outubro: sem derrotar os inimigos da revolução presentes no seio do movimento operário, não se pode conquistar o poder.